quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Quarto Jardim - Caio Machado

Você sabe de qual lado vai ficar em apenas um beijo. Eu já não sentia mais aquelas línguas ásperas invadindo meu céu da boca. Nem mesmo aqueles queixos barbudos rasgando meu queixo microscopicamente. Esfoliando minha libido, com toda aquela virilidade e brutalidade masculina. Mesmo gostando de tudo isso, descobri que preferia Michele e que mesmo sendo mulher optaria por ser homossexual. Mesmo elas sendo delicadas, inseguras e altamente perigosas. A única justificativa para que eu continuasse sendo heterossexual seria a obtenção completa de prazer e a necessidade de reprodução humana. Bem, quanto ao prazer nos tínhamos nossos métodos e quanto à reprodução, não me interessava nem um pouco.
Tudo iria bem ao começo, mas um dia Michele logo iria me largar. Amor não existe claramente, você só o detecta na sua perda, assim como a existência. Eles só sabem que você realmente viveu depois de te verem morto e muito bem enterrado, cremado, esquecido ou o que for. No entanto eu precisava de outra mulher, mas não sabia bem como iria conseguir. Meu lance com a Michele aconteceu de súbito, nos conhecemos em um casamento de um primo meu. Ela era irmã da noiva e por isso a gente passou a se ver com muita freqüência depois da festa do casamento. Não sabia dessa minha preferência e muito menos como ir à caça. Tive foi sorte e a partir de agora teria que improvisar.
Consegui esse trabalho de jardineira depois de me especializar em um desses cursos bem baratinhos que se tem por aí. Pra minha infelicidade nenhuma colega minha se mostrou apta as minhas exigências e minha abstinência só crescia. No meu primeiro trabalho, uma senhora muito velha me contratou. Pensei comigo e meus botões: “Tenho 23 anos, não estou tão desesperada a esse ponto ainda”. Levei quatro jardins diferentes de diferentes donos pra conseguir minha primeira mulher. Eu usava roupas claras e largas, não vestia lingerie por baixo e fazia questão de me molhar bastante, para que eu ficasse irresistível. Minha sensualidade aturdiu Paula, aquela representante de vendas que no auge de sua curiosidade me puxou pra sua cozinha e me encheu de beijos e afagos enquanto eu me despia. Ela era loira, bem rija e tinhas umas fantasias estranhas enquanto ouvíamos Djavan no seu quarto. Vivi quatro meses com Paula. Continuei fazendo seu jardim tanto por necessidades financeiras quanto eróticas. Paula achava aquilo o maior fetiche do mundo. Por coincidência Roberto também me achava um tanto quanto sexy. Não mencionei antes, mas ela é devidamente casada e seu marido que passava a maioria do seu tempo viajando por causa de seu trabalho estaria de volta por estar de férias naquele momento.
Certo dia, fui trabalhar e Paula havia viajado. Entrei pela cozinha que ficava nos fundos da casa e não a encontrei. Já tinha bastante liberdade de ir e vir por toda a casa. Roberto me observava na sala de estar e quando passei por ele, me chamou para fazer uma suposta pergunta. Eu não levei a mal e encarei na maior ingenuidade. Assim que me aproximei o cretino me violentou e antes que tentasse me estuprar eu resolvi ceder para ele. Não vou mentir, foi muito bom. Era evidente que Paula soube muito bem como escolher seu marido. E não era justo que eu pudesse também sentir prazer por completo algum dia? Depois disso, Roberto me demitiu por medo de que Paula descobrisse, alegando que eu havia furtado um vaso da sala de estar. E para quem procurava saciar a sede de prazer, acabei ficando sem os dois.
Revisão: Maele Finger

sábado, 18 de dezembro de 2010

Ângelas Anjos - Henrique Donancio

Sempre gostei de samba, de tocar, para dançar ou apenas ouvir. Um dom herdado do meu pai, que consertava alguns instrumentos e me ensinara a empunhar um junto ao peito, desde moleque. Quando o velho faleceu o que eu empunhei ao peito foi uma Ak47, já que a música não punha arroz na panela, não dava alento para meus irmãos e minha mãe. No início tudo certo, 17 anos de fuzil e moletom de marca no topo do morro só filmando o movimento, quando o frio apertava ou o sono incomodava eu dava uns tiros para dispersar. Num dos frevos que os patrões deram para os funcionários eu conheci a Elisângela, filha do seu Mezenga da mercearia, foi a primeira vez que ela subiu as ladeiras para confraternizar com a rapaziada e logo não perdi tempo, a nega era minha porque a vi primeiro.
Aos três meses de namoro busquei-a na casa do pai para morar lá no meu trapiche, minha mãe fazia gosto dela e precisava de alguém para cuidar dos meus irmãos. Elisângela era fogo, trepava como sambava a morena, dizia que fora eu o seu primeiro e único homem, não duvidava, mas também não acreditava, eu estava embalado demais no dia que a conheci e pouco me importava, o que eu desejava era a primazia. Aos poucos comecei a destacar e fui subindo a escada da hierarquia do morro, cada vez mais perto do céu e longe do inferno, o que importava era o jogo de cintura para escalar os degraus, eu era homem e me portava como tal, não deixava me faltaram com o respeito ao mesmo que o conquistava com simpatia. Muitos vão conhecer São Pedro mais cedo pecando nesses fundamentos básicos, impunham respeito no braço e um dia trombavam outro com o mesmo método para resolver as coisas, ou então lhe faltavam a moral para se impor e viravam puta, linha de frente do fogo cruzado, também havia aqueles que iam para o outro lado do balcão, consumiam mais que vendiam e acabavam sem deixar dinheiro nem mesmo para o caixão.
No verão a grana vinha mais quente que o sol, até gringo subia o morro, pagavam em dólar pela branca mais pura, consumidores exigentes, a classe alta de Copacabana e adjacências também, dava alguns trocados para os moleques no pé do morro buscarem uns baseados. Já nos meses de inverno o movimento estiava, e foi num desses invernos que minha história recomeçou.
O dinheiro andava curto, minha mãe estava doente, sofria da pressão e osteoporose, os remédios eram caros, Elisângela acabara de dar a luz, o médico receitava vitaminas importadas, frescura dela que insistia para ser levada ao hospital que nem granfino. Minha irmã mais nova, Rosângela, estava matriculada em escola particular, queria dar o ensino para ela, para não vê-la rebolando na laje lavando pano para pobre. Meus outros dois irmãos andavam sempre de chuteira boa no pé, comprei um par do Ronaldinho para cada e camisa do Real para combinar, os meninos eram bons com a bola, ainda veria eles vestindo a peita do Mengão.
Num domingo véspera de clássico no Maraca, dois pivetes chegaram lá em cima do morro com notebook, Rolex e dois conto numa carteira de couro, estavam vendendo, puxei a gola de um e perguntei aonde ele descolou aquilo, aí ele disse que fez uma fita lá na cidade, nos bairros da alta. Com o tempo me toquei que muitos estavam na mesma, a Federal havia interceptado mercadoria nossa numa rodovia do Mato Grosso e segurávamos o que tínhamos estocado para quando a temporada de férias começasse, gringo pagava em dólar e a vista. Foi aí que o Dunga deu idéia, “bora entra nessa também maluco, vai ficar de bobeira aí?!”, não pensei duas vezes e no outro dia fomos acompanhados de duas 765 para a porta do Bradesco na zona Sul. Quando abordamos um executivo entrando no carro após sair da agencia uma viatura acionou as sirenes, o Dunga sacou o cano e disparou três pipocos contra os Power Rangers, eles revidaram, estavam armados com punheteiras e três oitão, o carona sentou na janela e disparou contra mim, pegou de raspão, por sorte.
Quando acordei no hospital algemado deparei-me com Rosângela segurando um José de Alencar no sofá, acho que era um romance, ela gostava dessas coisas, tava me pajeando, Elisângela estava com os meninos para o teste na escolinha da Gávea, minha mãe estava no trampo e a pequena estava encarregada de mim, pela janela da porta do quarto dava para ver dois fardados de plantão, e eu me perguntei por quê? - porque se agora eu não poderia correr.
Pelo meu silencio pagaram o meu advogado e me ofereceram uma pensão de 100 contos por mês, era o meu auxílio doença patrocinado pelo tráfico, e agora com um cadeirante encostado dentro de casa as coisas andavam piores que estavam, sentia que era questão de tempo para Elisângela sair dessa, nem satisfazê-la eu conseguia, envelheci uns 50 anos ao ter que depender dela para me trocar, comer, sair da cadeira sem rastejar. Chorava ao ter que imaginar minha irmã voltando a freqüentar a escola da comunidade que tinha aula duas vezes na semana e quando tinha, pois era dar um tiro para os professores se recusarem a dar aula alegando que a violência poderia ferir alguém sobe suas responsabilidades. Os meninos vingaram, passaram no teste e pelo menos esses teriam um futuro diferente do meu.
Elisângela era mulher de verdade, ela não me abandonou, mas teve que ir para rua, teve que se vender nas esquinas. No inicio isso para mim foi inaceitável, mulher minha não ia dar para quem pagasse, mas ela me convenceu, disse que era por Rosângela, para a menina continuar na escola, que preferiria rodar bolsinha a vê-la um dia nessa situação, que ela tinha futuro e capacidade, carregava o dom, coisa que ela não, Elisângela era fogo.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Regina Piau - Caio Machado

Era inacreditável que eu realmente estivesse ingressando em uma faculdade. Sempre mantive um péssimo rendimento no colégio, outrora regado por faltas constantes na lista de presença, justificadas pelas bebedeiras e pelas farras na casa da Júlia, outrora marcado por sonecas intensas nas aulas de exatas. Senão fosse minha participação e meu interesse pelas aulas de história e português e claro, pelos seus respectivos professores, eu provavelmente não teria nem me formado. Minha média global saiu ainda mais alta do que eu imaginava. Por incrível que pareça eu realmente não era dos piores. O nível dos colégios da cidade era tão baixo que eu não tive dificuldade em me classificar entre os vinte primeiros na Faculdade Conan Doyle. Sim, isso é uma homenagem ao ilustre criador do detetive Sherlock Holmes. Localizada em área nobre da cidade, a instituição era especializada em Comunicação Social e tinha os melhores profissionais ministrando na área. E alias é disso que eu quero brevemente me referir. Logo na primeira semana eu já tive um enorme esbarrão com a professora de filosofia que percorria as pressas o corredor central. Com o impacto do acidente sua bolsa caiu no chão espalhando seus diversos livros e espatifou também seu kit de maquiagem. Regina Piau era incrivelmente linda. Nos seus um metro e oitenta ostentava lindos cabelos negros e uma pele morena exorbitante modelada por suas curvas perigosas. Ela tinha trinta e cinco anos, mas parecia ter quase dez a menos. Não hesitei em ser gentil e logo a ajudei com suas coisas. Ela se mostrava um tanto quanto embaraçada e eu só me aproveitei da situação:
- Tenho certeza que você não precisa dessa quantidade de maquiagem. Seus traços seriam mais valorizados quando você se mostrasse concentrada ao ler esse livro do Auguste Comte.
Ela realmente se mostrou interessada em mim. Logo pensou que eu não era mais um desses estudantes drogadinhos que não se interessavam pelo curso e só queriam orgias eufóricas e festas. Leve engano da parte dela. Não devo mentir que meu habito de leitura me salvou de muitas barras e já me beneficiou bastante com diversas mulheres. Só não entendia o que uma professora de filosofia estaria fazendo com um livro de conteúdo de ciências sócias.
- Obrigada e me desculpe pela minha falta de atenção. Eu realmente estava distraída... – numa distração ainda maior eu comecei a segurar as mãos dela e num súbito comecei a percorrer as mesmas pelas suas costas na direção da cintura. Se aproximando com seu corpo quente ao meu ela sequer me impediu e já que o corredor estava vazio resolvemos partir para o ataque ali mesmo. – Você não acha que aqui... – Foi um beijo devagar e quente, mesmo engasgada com o que ela tentava dizer. Foi um daqueles bem elaborados, a língua dela tocando o céu da minha boa e tudo. Coisa hollywoodiana mesmo. Ela tinha um sabor de pastilha de menta com cafeína nos seus lábios secos. Enquanto ela me arrastava pro seu gabinete eu já começava a retirar seu suéter. Aquela peça marrom e sedosa logo já se encontrava no chão da sala. Regina trajava um costume de brim branco que deixavam suas curvas extremamente deliciosas. Seus beijos ofegantes logo se convertiam em sussurros e mordidas próximas ao meu ouvido. Pra minha surpresa ela mesma tratou de me despir arrancando minha camiseta.
- Você sabia que eu adorei essa sua camiseta do Blur? – enquanto ela dizia isso eu já me ocupava em desabotoar minha calça jeans, ainda sim mordendo suas orelhas. Eu não havia abrido a boca desde que nos esbarramos no corredor. Com certa destreza eu já desabotoava sua camisa. Aquela lingerie branca contrastava com sua pela morena de uma maneira sinestésica, impulsionando meus desejos. Ela tinha um bronzeado cor de ouro extraordinário. Minha libido já estava aos prantos ao ver que seus seios pareciam querer saltar de seu sutiã. E assim ocorreu quando ela o desabotoou. Nosso sexo foi bem rápido e ela se mostrava uma verdadeira volúpia saltando sobre meu colo ali sobre a mesa do gabinete mesmo. Não sabia se ela era silenciosa daquela maneira ou se ela queria apenas evitar que alguém escutasse ou visse aquilo. Depois do ato bastaram-se cinco minutos para que já estivéssemos vestidos novamente e ela me pediu total descrição sobre o acontecimento. E assim aconteceram pelos próximos quatro anos de bacharelado do curso. Sobre a disciplina filosófica? Eu tirava de letra. Três anos consecutivos como o melhor aluno da classe. No último ano troquei de matéria. Literatura. E bem, sua nova estagiária era de tirar o fôlego.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Viúvo Negro - Henrique Donancio

Ela era uma freqüentadora assídua de minha casa, não raramente participava das confraternizações que por lá ocorriam, sejam festas de comemorações natalinas, aniversários e anos vindouros. Desde muito pequeno acostumei-me aquela figura quase maternal, chamando-a e a tratando como “Tia Carla”, que muitas vezes serviu o almoço para mim e meus irmãos, pois mamãe tardara a voltar do trabalho e precisávamos estar bem alimentados para ir à escola, ou mesmo nos repreender de forma rígida por alguma peripécia que fizéssemos.
Mamãe desde o ponto que minha lembrança consegue compor fatos, sempre fora mãe solteira. Papai era militar de alta patente, os dois casaram-se muito cedo, como convinha a moças de familiar fazer, logo me puseram ao mundo e no prazo de cinco anos estava acompanhado de mais dois irmãos. Ela nunca se queixara do meu velho, mas sabíamos uma história ou outra sobre sua arrogância excessiva e seus vícios. Vovó é que criara uma apatia sobre sua pessoa, pois todo o lado avesso ao que era atribuído pelos outros ao meu pai vinha dela -“Tá que aquele é um jagunço! Minha filha é que pasta naquele campo seco!” - dizia. Tomei conhecimento sobre suas brigas nos bares da cidade e rixa com algumas pessoas por conta das conversas que escutava enquanto parecia estar distraído brincando com meus aviões e tanques de guerra. Foram tantas vezes que ouvi os fofoqueiros talharem - ”Ricardo fez se homem pra cima daquele sujeito”, e enchiam os olhos e transbordavam sobre os lábios saliva ao contar mais um feito do militar. Apesar de toda a fama de “mão pesada” que papai carregava, dentro de casa fora incapaz de colocar suas patas a não ser de modo muito afetuoso em qualquer um de seus habitantes.
Porém todo homem por mais homem que seja um dia encontra outro que se faça valer também, e não foi diferente com meu velho que trombou com um sujeito chamado “Corujão”, um cafetão dos bordeis da cidade. Atribuíram-lhe tal nome por tratar suas putas como um pai, pai coruja que fazia questão de por o cliente a esperar no quarto enquanto levava o produto agarrada ao braço, um verdadeiro gentleman. Uns dizem que papai e ele se desentenderam jogando bilhar, Corujão e ele alterados começaram a trocar farpas e no auge da discussão o malandro fez um comentário pejorativo sobre a farda que papai tanto gostava de ostentar, então partiram para um conflito físico que o marginal levou a melhor ao quebrar o taco na cabeça do oponente e com o que sobrara do objeto agora cheio de pontas fincá-lo dentro do abdômen assassinando o rival. Essa é a versão que prefiro acreditar. A outra é que Ricardo estava freqüentando os “puteiros” da rua Matacavalos e um dia muito bêbado se negou a pagar a acompanhante por seus serviços, uma mulher muito bonita que era famosa entre os homens da cidade,que trazia tatuado a cintura Pandora e sua caixa de segredos. Quando ela insistiu pelo ordenado papai deu bofetadas em seu rosto o que implicou num acerto de contas com o cafetão, três tiros certeiros antes que ele pudesse pensar em vestir as ceroulas. Após isso a amizade entre mamãe e Carla que após o casamento andava meio esquecida foi criando laços cada vez mais fortes. Tia foi o consolo que minha velha tanto necessitava.
Com o tempo fui crescendo e tomando ares de homem, criado por mulheres, pois faltara uma figura masculina em casa já que minha mãe nunca pusera outro em sua vida. Na adolescência Carla se revelara uma confidente fantástica e me ensinara alguns truques sedutores que logo me conduziram a ter a primeira relação sexual, prematuramente diga-se. E assim fui levando até assimilar suas idéias e ter criado uma fama no público feminino. Ao atingir a maioridade eu já era um “metelão”!
Mamãe sentia ciúmes de tanta intimidade, tentava colocar-se nos nossos assuntos, mas era ignorada, preferia tê-la como uma mãe tradicional, dava-lhe todo afeto e receava que ela pensasse que estava criando outro Ricardo debaixo de seu teto. Apesar de levar uma vida amorosa invejável e começar a dar os primeiros passos na carreira profissional, nunca me faltara a decência e a responsabilidade de pai para meus irmãos. Eu era filho, sobrinho e pai dentro do meu círculo familiar.
Após alguns anos Tia Carla começou a ter dificuldades financeiras, estava desempregada e como estávamos mantendo nossa casa com certa folga no orçamento a convidamos para mudar-se. Ela sempre fazia uma tremenda confusão quando explicava sobre seu trabalho, e só sabíamos que havia estado muitos anos no mesmo labutar, mantendo-se todos esses anos confortavelmente numa casa frente a nossa. Outra curiosidade é que não era e nunca fora casada, não tinha a menor tendência a beata, porém nunca tive notícias de homens em sua vida.
Quando se mudou não pude deixar de notar que tamanho desperdício estava ancorado sobre o mesmo teto que eu. Ela possuía curvas por todo o corpo além dos detalhes sórdidos que notei nos varais de casa que os deixo subentendidos. Não fazia sentido uma mulher como ela abdicar de relacionamentos.
Minha curiosidade aumentava e não conseguia conte-la. Já tornava-se freqüente deparar-me fingindo ler algum jornal só para me por frente ao corredor quando ela passasse embrulhada depois dos banhos. Não tardou até minha ousadia me levar para ler o jornal dentro do seu quarto esperando ela vir contornada numa toalha que arranquei num súbito ato.
Quando a vi coberta pelo meu corpo quase não pude controlar meus impulsos. Não podia propiciar pouco prazer aquela que fora meu guia de copulação. Minha vontade era incontrolável, eu entrava e saia freneticamente, a segurava com força, com tamanha força que meus dedos pareciam enterrar em suas coxas. Ela fechara os olhos e inspirava ofegante a cada penetração, agarrando a roupa de cama desesperadamente. Comecei a distrair-me propositalmente para que aquilo não durasse míseros cinco minutos, e comecei a pensar em meu finado pai. Corria lembranças em um álbum de imagens que projetava-se em minha mente quando ela falou quase suspirando –“Você é melhor que seu pai menino”- aquilo só me fez ir com mais voracidade no ato...
Ela estava deitada massageando seu órgão com os olhos fechados e as pernas semi abertas com os joelhos ao ar, correndo a mão sobre sua tatuagem. Sentia seu corpo latejar, seus membros possuíam marcas de várias formas, prostava-se no deleite de um pós sexo. Do outro lado da casa, na cozinha, já afiava uma faca que ganhará do meu avó quando juntos penetrávamos nas matas ao redor da cidade. Eu acabo de terminar aquilo que meu pai deveria ter feito antes de ser pego por aquele cafetão, eu conservei a primeira versão de sua morte.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Toco de madeira - Caio Machado

Baseado em fatos reais.

Decrépita em seu vestido magenta. Assim se encontrava Darlita ao atravessar a rua. Ela estava na cidade para ver sua filha Arabella, que daria a luz a gêmeos em algum dia não muito distante daquele. Andava tão devagar que mal chegou a tempo de ouvir o disparo. A vizinhança era muito silenciosa e reservada, não se preocupavam com nenhum transtorno ou conflito causado por ali, talvez fosse esse o motivo de tamanha indiferença com aquele estrondoso tiro.
A casa de Arabella era a última da rua. Darlita abriu a cerca e sem pressa caminhou pela passarela até se postar debaixo do alpendre da casa para tocar a campainha. O jardim contava com uma enorme variedade de tulipas e ostentava um gramado esplêndido e extremamente bem cuidado. Tocou a campainha uma vez. Duas vezes. Três vezes e nada de ninguém atender. Pelos fundos da casa ele já saia covardemente e corria em direção ao enorme manguezal. Darlita começava a ficar com um mau pressentimento com o vazio da casa e resolveu ir para os fundos da casa. Era aquele tipo de previsão que só as mães conseguiam sentir. Sequer notou o portão dos fundos aberto e foi logo se dirigindo até aquele velho toco de madeira que tanto serviu de assento para Arabella e que agora seria de grande utilidade para que ela adentrasse na casa.
Havia quatro círculos indicando a idade daquele tronco de carvalho. Com grande dificuldade ela o rolou até a janela do quarto deles. Chegar até aquela idade exigia certos cuidados com a saúde e com certeza aquilo lhe renderia um mês de dores na coluna. Darlita estendeu a saia do vestido pra cima dos joelhos e levantou a perna direita. Não obteve sucesso. Tentou com a perna esquerda, mas falhou também. Enfim retirou suas sapatilhas e pegou um impulso de três metros. Correu o que pôde e saltou pra cima do toco. Sucesso! Porém o que ela veria agora seria tudo que ela jamais gostaria de ver, principalmente depois desse enorme esforço que seria desperdiçado e destruído através daquilo que suas retinas cansadas estariam a presentear.
Arabella estava escorada de pé na parede esquerda ao lado da porta. Tinha seus olhos abertos e mortos fixados no velho lustre no teto. O tiro no peito manchava o seu vestido branco e surrado. Mas o que realmente espantava era ver o sangue que saia de seu ventre e o movimento dos bebês ainda vivos dentro na barriga dela. Darlita suspirou e desmaiou caindo do toco e acertando em cheio o gramado dos fundos da casa.
[...]
Quando Darlita acordou, já havia ambulância e polícia no local. Os até então discretos vizinhos abarrotavam o gramado destruindo o jardim que Arabella cultivava com tanto cuidado enquanto viva. Uma vida de zelos e carinhos. Destruídas por um covarde que não sabia lidar com o amor demasiado de sua esposa e pelos desnecessários e doentios ciúmes que sentia por ela. O para-médico com muita dificuldade e pesar conseguiu dizer para Darlita que Arabella fora assassinada no exato momento em que o parto começaria. Aterrorizada Darlita desmaiou novamente e uma enorme áurea de tristeza parecia pairar por toda a casa.
O velório seria ali mesmo na sala de estar, o caixão já estava colocado no centro e os dois filhos de Arabella choravam ao redor do mesmo. Darlita voltara a si, mas não se dava por convencida com aquela situação e se isolou nos fundos da casa sentada sobre o toco de madeira. Mal sabia ela que ali mesmo em cima do manguezal Murilo os observava e estaria ali desde a cena do crime. Ele não havia abandonado seu posto e observava calmamente todo o movimento que acontecia naquela casa que ele próprio acabara de amaldiçoar. Sua única distração era lustrar seu 32 com a borda de sua camisa. Ele fez com que a arma se mantivesse quente desde o momento do disparo, nem mesmo colocou-a de volta em sua algibeira. Não se passava nada em sua cabeça, nem sequer queria fugir, não existia sequer qualquer arrependimento pela banalidade que cometera.
Murilo Dantas era um relojoeiro muito respeitado na cidade, projetava vários modelos de relógios, que inclusive a própria Mont Blanc encomendava. Conheceu Arabella ao comprar biscoitos de polvilho doce de sua mãe Darlita. Ela tinha apenas dezoito anos e já ostentava uma beleza incrível. Murilo tinha trinta e dois anos e por dispor de uma boa posição social não obteve dificuldade em arranjar aquele casamento com Arabella. Pedro e Marta foram seus primeiros filhos que agora aguardariam os gêmeos que Arabella daria a luz no próprio dia do seu assassinato. O para-médico evitou a cesariana, pois sabia que as crianças não sobreviveriam. Os três foram velados e enterrados juntos. Era a única filha de Darlita. Arabella nem conhece seu pai que morreu de pancreatite. Foi o assassinato triplo mais trágico que aquela cidade presenciaria.
O desespero insistia em perseguir Murilo que já era procurado como suspeito assassinato da esposa. Sua relojoaria estava interditada e nenhuma estalagem da cidade poderia abrigá-lo. Eram ordens restritas da polícia. Dois dias depois ele mesmo se entregou ao delegado que por sua vez era primo de Arabella. A sova e surra que ele levou seriam indescritíveis e tampouco serviriam para aliviar a dor que todos estavam sentindo por aquela perda. Ficaria preso pelo menos nos próximos dez anos.
Pedro e Marta foram para um colégio interno, onde permaneceriam até que formassem. Darlita enlouquecia e passara a viver nos fundos da casa de Arabella. Apenas desperdiçando suas horas de vida sentada no toco de madeira que agora está posicionado em um ângulo que possibilita vista tanto para o manguezal e quanto para a janela do quarto de Arabella e Murilo.
Revisão: Mariana Takagui

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Bandoleiro Mexicano - Henrique Donancio

Os últimos raios de sol tocavam o solo rubro do norte Mexicano. O vento frio trazia os animais da noite para a caça, famintos. A pedra da Rapina Apanhadora de Cobras já desaparecia dos horizontes visíveis, ocultada pela escuridão desértica. Os últimos copos de tequila se esvaiam, embalando corpos rumo ao gozo do final de mais um dia. E o último bandoleiro posto fora de um teto empunhava seu violão no instante em que o último candeeiro se apagava. O chamavam por Suarez, mas de fato, ninguém sabia seu verdadeiro nome. Trazia consigo um rifle atravessado ao tronco, uma garrucha empunhada na cintura além da peixeira que de vez ou outra, nos intervalos das canções, cortava um fumo para o deleite do violeiro. Diziam que na infância foi justamente a mesma arma que talhava agora o tabaco que atravessou o peito do pai de Suarez, um golpe diferido por suas próprias mãos. Se segurasse o cabo em linha reta a lamina apontava para as estrelas, era causa da força empenhada pelo menino de doze anos que estraçalhou o coração do seu genitor. Aos quatorze, abandonou sua família e juntou-se ao grupo de Martin Santiago. Aprendeu com o chefe do grupo a manusear uma pistola como poucos em todo domínio da antiga província de Virgem de Guadalupe. Martin o tinha como um filho, pois o menino sempre calado poucas vezes era visto fora de sua companhia. Romperam os laços paternais quando em um saque na Vila de Mariachi, Suarez deflagrou o líder estuprando uma garota por volta de onze anos. O facínora ria desvairadamente até perceber que seu filho o fitava, aproveitou e ofereceu o corpo da ninfa para seu proveito. O bandoleiro caçula do grupo ficou alguns minutos imóvel, olhava para o desespero da menina com frieza, ela derramava lágrimas e berrava incessantemente, seu órgão transbordava de sangue que corria entre as pernas, tangeu um olhar para o pai da menina que era surrado por um dos capangas e para a mãe que estava sendo segurada por outro aos prantos. Num súbito segundo sacou a pistola e deu um tiro bem no meio da testa de Santiago. Antes de o pegarem, o as balas que restaram no tambor derrubaram mais três do bando. Ruiz que era o sucessor do chefe mandou ferver água quente e atirou sobre os olhos de Suarez. Desde então ele se encontra no vilarejo, o mesmo em que estupraram uma criança, mataram um chefe e o cegaram. Passa seus dias entocado entre os cactos do deserto. Alguns dizem que ele não vai só, vai também uma cobra criada, que rasteja produzindo ruídos por onde passa por modo do cego perceber o que tem pelo caminho, e uma águia que procura água e alimento para o mestre. Águia e cobra andam juntos, uma trepada no braço e a outra escorada no ombro do homem. Dá pra ver as garras do animal desenhadas em seu corpo e não a vestimenta que não se estraçalhe em sua espádua. Vez ou outra Maria Rita que nunca se casara, leva as sobras do jantar para ele, numa tentativa de recompensar quem um dia tentou salvar sua honra. Ele nunca come, deixe para os carniceiros do deserto, na maioria ratos, que depois do banquete são devorados pela cobra de estimação. A natureza o fascina. Todas as noites em que essa cadeia alimentar acontece, ele sorri. -“Não é incrível?”- perguntou certa vez para Maria, uma das poucas pessoas que troca palavras com ele. Os moradores não o receiam, pelo contrário, o idolatram. Desde sua estadia, nenhum grupo de bandoleiros conseguiu se safar da sua perversidade. Eram dez, quinze, vinte homens armados até os dentes contra um cego e meia dúzia de comerciantes. Seu único pedido em troca da proteção é que deixassem os corpos apodrecerem na terra. E ali os deixavam. O cheiro fétido alastrava-se por toda parte até a natureza começar a agir efetivamente. Explanava que os corpos iam descansar, junto ao calor das crostas mais profundas da terra. Falava também que um dia se juntaria a eles, e que Santiago seu bom pai iria mandar a mulher mais linda de todo o México para buscá-lo, ele a devoraria enquanto o próprio trataria de lhe pregar um pipoco nas fuças.

Proposta

A Barganha Literária surge com o propósito de publicação semanal de contos escritos por dois amigos que nadam contra a correnteza das redes sociais que cada vez mais vulgarizam a juventude que cada vez mais se encontra "iliterária". Com influências contemporâneas buscaremos difundir textos que usufruem de caráter realista, passando pelo surrealismo até chegar ao modernismo. Não queremos nos eternizar como poetas, mas sim promover um pouco de diversão que nem o cinema e tampouco a TV conseguem te fornecer, uma vez que o lirismo coloca a sua imaginação a toda prova.