Baseado em fatos reais.
Decrépita em seu vestido magenta. Assim se encontrava Darlita ao atravessar a rua. Ela estava na cidade para ver sua filha Arabella, que daria a luz a gêmeos em algum dia não muito distante daquele. Andava tão devagar que mal chegou a tempo de ouvir o disparo. A vizinhança era muito silenciosa e reservada, não se preocupavam com nenhum transtorno ou conflito causado por ali, talvez fosse esse o motivo de tamanha indiferença com aquele estrondoso tiro.
A casa de Arabella era a última da rua. Darlita abriu a cerca e sem pressa caminhou pela passarela até se postar debaixo do alpendre da casa para tocar a campainha. O jardim contava com uma enorme variedade de tulipas e ostentava um gramado esplêndido e extremamente bem cuidado. Tocou a campainha uma vez. Duas vezes. Três vezes e nada de ninguém atender. Pelos fundos da casa ele já saia covardemente e corria em direção ao enorme manguezal. Darlita começava a ficar com um mau pressentimento com o vazio da casa e resolveu ir para os fundos da casa. Era aquele tipo de previsão que só as mães conseguiam sentir. Sequer notou o portão dos fundos aberto e foi logo se dirigindo até aquele velho toco de madeira que tanto serviu de assento para Arabella e que agora seria de grande utilidade para que ela adentrasse na casa.
Havia quatro círculos indicando a idade daquele tronco de carvalho. Com grande dificuldade ela o rolou até a janela do quarto deles. Chegar até aquela idade exigia certos cuidados com a saúde e com certeza aquilo lhe renderia um mês de dores na coluna. Darlita estendeu a saia do vestido pra cima dos joelhos e levantou a perna direita. Não obteve sucesso. Tentou com a perna esquerda, mas falhou também. Enfim retirou suas sapatilhas e pegou um impulso de três metros. Correu o que pôde e saltou pra cima do toco. Sucesso! Porém o que ela veria agora seria tudo que ela jamais gostaria de ver, principalmente depois desse enorme esforço que seria desperdiçado e destruído através daquilo que suas retinas cansadas estariam a presentear.
Arabella estava escorada de pé na parede esquerda ao lado da porta. Tinha seus olhos abertos e mortos fixados no velho lustre no teto. O tiro no peito manchava o seu vestido branco e surrado. Mas o que realmente espantava era ver o sangue que saia de seu ventre e o movimento dos bebês ainda vivos dentro na barriga dela. Darlita suspirou e desmaiou caindo do toco e acertando em cheio o gramado dos fundos da casa.
[...]
Quando Darlita acordou, já havia ambulância e polícia no local. Os até então discretos vizinhos abarrotavam o gramado destruindo o jardim que Arabella cultivava com tanto cuidado enquanto viva. Uma vida de zelos e carinhos. Destruídas por um covarde que não sabia lidar com o amor demasiado de sua esposa e pelos desnecessários e doentios ciúmes que sentia por ela. O para-médico com muita dificuldade e pesar conseguiu dizer para Darlita que Arabella fora assassinada no exato momento em que o parto começaria. Aterrorizada Darlita desmaiou novamente e uma enorme áurea de tristeza parecia pairar por toda a casa.
O velório seria ali mesmo na sala de estar, o caixão já estava colocado no centro e os dois filhos de Arabella choravam ao redor do mesmo. Darlita voltara a si, mas não se dava por convencida com aquela situação e se isolou nos fundos da casa sentada sobre o toco de madeira. Mal sabia ela que ali mesmo em cima do manguezal Murilo os observava e estaria ali desde a cena do crime. Ele não havia abandonado seu posto e observava calmamente todo o movimento que acontecia naquela casa que ele próprio acabara de amaldiçoar. Sua única distração era lustrar seu 32 com a borda de sua camisa. Ele fez com que a arma se mantivesse quente desde o momento do disparo, nem mesmo colocou-a de volta em sua algibeira. Não se passava nada em sua cabeça, nem sequer queria fugir, não existia sequer qualquer arrependimento pela banalidade que cometera.
Murilo Dantas era um relojoeiro muito respeitado na cidade, projetava vários modelos de relógios, que inclusive a própria Mont Blanc encomendava. Conheceu Arabella ao comprar biscoitos de polvilho doce de sua mãe Darlita. Ela tinha apenas dezoito anos e já ostentava uma beleza incrível. Murilo tinha trinta e dois anos e por dispor de uma boa posição social não obteve dificuldade em arranjar aquele casamento com Arabella. Pedro e Marta foram seus primeiros filhos que agora aguardariam os gêmeos que Arabella daria a luz no próprio dia do seu assassinato. O para-médico evitou a cesariana, pois sabia que as crianças não sobreviveriam. Os três foram velados e enterrados juntos. Era a única filha de Darlita. Arabella nem conhece seu pai que morreu de pancreatite. Foi o assassinato triplo mais trágico que aquela cidade presenciaria.
O desespero insistia em perseguir Murilo que já era procurado como suspeito assassinato da esposa. Sua relojoaria estava interditada e nenhuma estalagem da cidade poderia abrigá-lo. Eram ordens restritas da polícia. Dois dias depois ele mesmo se entregou ao delegado que por sua vez era primo de Arabella. A sova e surra que ele levou seriam indescritíveis e tampouco serviriam para aliviar a dor que todos estavam sentindo por aquela perda. Ficaria preso pelo menos nos próximos dez anos.
Pedro e Marta foram para um colégio interno, onde permaneceriam até que formassem. Darlita enlouquecia e passara a viver nos fundos da casa de Arabella. Apenas desperdiçando suas horas de vida sentada no toco de madeira que agora está posicionado em um ângulo que possibilita vista tanto para o manguezal e quanto para a janela do quarto de Arabella e Murilo.
Revisão: Mariana Takagui
Muito bom! Posso até imaginar as cenas, enquanto leio *-* Parabéns Caio
ResponderExcluirMuito legal, gostei dos nomes dos personagens! xD
ResponderExcluirEnfim o blog que o Henrique fala! hehe
Parabens pros dois o/
Cara, eu peguei esses nomes todos dos meus ex-colegas de cursinho do ano passado! Dá pra acreditar?
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