quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Bandoleiro Mexicano - Henrique Donancio

Os últimos raios de sol tocavam o solo rubro do norte Mexicano. O vento frio trazia os animais da noite para a caça, famintos. A pedra da Rapina Apanhadora de Cobras já desaparecia dos horizontes visíveis, ocultada pela escuridão desértica. Os últimos copos de tequila se esvaiam, embalando corpos rumo ao gozo do final de mais um dia. E o último bandoleiro posto fora de um teto empunhava seu violão no instante em que o último candeeiro se apagava. O chamavam por Suarez, mas de fato, ninguém sabia seu verdadeiro nome. Trazia consigo um rifle atravessado ao tronco, uma garrucha empunhada na cintura além da peixeira que de vez ou outra, nos intervalos das canções, cortava um fumo para o deleite do violeiro. Diziam que na infância foi justamente a mesma arma que talhava agora o tabaco que atravessou o peito do pai de Suarez, um golpe diferido por suas próprias mãos. Se segurasse o cabo em linha reta a lamina apontava para as estrelas, era causa da força empenhada pelo menino de doze anos que estraçalhou o coração do seu genitor. Aos quatorze, abandonou sua família e juntou-se ao grupo de Martin Santiago. Aprendeu com o chefe do grupo a manusear uma pistola como poucos em todo domínio da antiga província de Virgem de Guadalupe. Martin o tinha como um filho, pois o menino sempre calado poucas vezes era visto fora de sua companhia. Romperam os laços paternais quando em um saque na Vila de Mariachi, Suarez deflagrou o líder estuprando uma garota por volta de onze anos. O facínora ria desvairadamente até perceber que seu filho o fitava, aproveitou e ofereceu o corpo da ninfa para seu proveito. O bandoleiro caçula do grupo ficou alguns minutos imóvel, olhava para o desespero da menina com frieza, ela derramava lágrimas e berrava incessantemente, seu órgão transbordava de sangue que corria entre as pernas, tangeu um olhar para o pai da menina que era surrado por um dos capangas e para a mãe que estava sendo segurada por outro aos prantos. Num súbito segundo sacou a pistola e deu um tiro bem no meio da testa de Santiago. Antes de o pegarem, o as balas que restaram no tambor derrubaram mais três do bando. Ruiz que era o sucessor do chefe mandou ferver água quente e atirou sobre os olhos de Suarez. Desde então ele se encontra no vilarejo, o mesmo em que estupraram uma criança, mataram um chefe e o cegaram. Passa seus dias entocado entre os cactos do deserto. Alguns dizem que ele não vai só, vai também uma cobra criada, que rasteja produzindo ruídos por onde passa por modo do cego perceber o que tem pelo caminho, e uma águia que procura água e alimento para o mestre. Águia e cobra andam juntos, uma trepada no braço e a outra escorada no ombro do homem. Dá pra ver as garras do animal desenhadas em seu corpo e não a vestimenta que não se estraçalhe em sua espádua. Vez ou outra Maria Rita que nunca se casara, leva as sobras do jantar para ele, numa tentativa de recompensar quem um dia tentou salvar sua honra. Ele nunca come, deixe para os carniceiros do deserto, na maioria ratos, que depois do banquete são devorados pela cobra de estimação. A natureza o fascina. Todas as noites em que essa cadeia alimentar acontece, ele sorri. -“Não é incrível?”- perguntou certa vez para Maria, uma das poucas pessoas que troca palavras com ele. Os moradores não o receiam, pelo contrário, o idolatram. Desde sua estadia, nenhum grupo de bandoleiros conseguiu se safar da sua perversidade. Eram dez, quinze, vinte homens armados até os dentes contra um cego e meia dúzia de comerciantes. Seu único pedido em troca da proteção é que deixassem os corpos apodrecerem na terra. E ali os deixavam. O cheiro fétido alastrava-se por toda parte até a natureza começar a agir efetivamente. Explanava que os corpos iam descansar, junto ao calor das crostas mais profundas da terra. Falava também que um dia se juntaria a eles, e que Santiago seu bom pai iria mandar a mulher mais linda de todo o México para buscá-lo, ele a devoraria enquanto o próprio trataria de lhe pregar um pipoco nas fuças.

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