sábado, 3 de dezembro de 2016

Arranha-céu




“O passado é como estar defronte a um arranha-céu. Quando pouco distante, têm-se pouca visão de seu todo, mas enxerga-se detalhadamente sua estrutura. Alguns passos para trás, nos afastando, conseguimos enxergá-lo com uma visão mais ampla, mas os detalhes se perdem numa visão míope”.


A primeira vez que me recordo de ter a visto foi descendo as escadas do corredor que levava ao pátio da escola. Seu cabelo vermelho fazia-a destoar da multidão que descia para o intervalo entre as aulas. O prédio da escola era antigo, construído nos anos 30, possuía dois andares de salas de aulas e no andar superior os corredores que levavam às salas eram abertos de forma que era possível ter uma visão panorâmica de todo o pátio abaixo. Os alunos desciam por uma escada em espiral escondida entre as paredes do prédio do segundo andar para o pátio ao soar dos sinos como um enxame de formigas guiados por feromônio. Nesse dia em que a vi, a maior parte das pessoas já havia descido, e ela veio vagarosamente, como se diferente de todos os outros não tivesse pressa alguma, eu estava nos corredores do segundo andar e quando lhe pus os olhos ela voltou seu olhar para cima, um olhar que me ofegou por um instante, interrompeu a conversa que levava, olhos tão verdes e reluzentes, emoldurados por seu cabelo vermelho estonteante, que por um breve instante me perguntei porque não antes a havia notado se a tanto tempo estudava na mesma escola e a tanta gente conhecia, ainda sim o semestre estava  quase por acabar e em nenhum de seus dias havia lhe colocado os olhos. Seu olhar ainda que breve pareceu uma eternidade.

No outro dia eu estava lá, escorado nas cercas que circundavam o segundo andar na esperança de a ver novamente, e ela no mesmo compasso desceu, logo após toda a multidão se dispersar, olhou novamente, e agora a segui, quis saber para onde ia pois estava a andar sozinha novamente, até que um amigo interrompe: “essa menina aí é muito gata”, disse, fitei-o concordando, mesmo não lhe dizendo nenhuma palavra, mas a perdi quando voltei o olhar para o pátio.

-Quem é ela? – Perguntei.

-Cara não sei, mas ela é nova aqui.

-Como assim nova? Não a havia visto antes.

-Parece que veio do turno da noite.

Suas palavras me incomodaram, senti que esse detalhe sórdido tirava do meu imaginário aquilo que parecia perfeito até então. O turno da noite era outro mundo para nós que estudávamos no turno diurno, eram pessoas mais maduras que já trabalhavam ou voltaram a estudar, já namoravam e tudo o mais que uma vida adulta parece ser, e eu, no auge dos meus quatorze anos temia que ela carregasse todo esse amadurecimento que não possuía, e isso me fez desistir de qualquer ideia de conhecê-la instantaneamente.

Talvez pelo medo eu tivesse desistido de conhecê-la, mas a vontade de pôr os olhos nela todos os dias não diminuiu. Aos poucos ela já passou a não descer mais sozinha, e durante um mês seu círculo social pareceu aumentar, até que um dia desceu com um rapaz e a sensação de perca eruptou em mim, e talvez por coincidência ou não, esse foi único dia que meu olhar não foi retribuído.

Um dia ao chegar na escola me deparei com ela no mesmo corredor onde me punha todos os dias e pela primeira vez pude a olhar bem de perto, e bem mais vermelho parecia seu cabelo assim como o verde de seus olhos pareciam mergulhados num brilho oceânico.  Seu rosto era de uma seriedade tamanha, os olhos pareciam estar sempre cerrados, o nariz grande e estreito vinha de encontra a lábios tão sutis que duvidei que pudesse sair ali qualquer som. Ela e todos os que havia notado em sua companhia nas últimas semanas estavam por perto, sua sala de estudos passaria do primeiro andar para outra defronte a minha a partir daquele dia. Que sorte a minha!

Nos dias seguintes já não me punha a olhar para baixo se não que agora dava de costas para o pátio e sua multidão. Ela tão pouco descia religiosamente como antes e logo fez amizade com alguns colegas meus de sala. Com o passar dos dias mais pessoas próximas a mim a conheciam, e falavam de suas tatuagens, o que me fez temer ainda mais sua maturidade pois talvez ela fosse a única em todo aquele corredor a possuir tatuagens, algo impensável para um adolescente de quatorze anos naquela época, seja pelo preconceito, seja pela submissão aos pais e o dinheiro dispendido para eternizar um desenho na pele.

-Grilo, ela mostra as tatuagens se você pedir. Cara, ela tem uma aqui na cintura que a calcinha atrapalha a ver, daí ela abaixa a calça e você vê a marca da calcinha. Nossa velho do céu, ela é muito gata!

A essa altura eu já sabia seu nome, Amanda, assim como havia me acostumado com sua presença nos corredores. Todos usavam uniformes na escola, e as únicas peças que diferenciavam os alunos era algum adereço e o calçado. Me lembro bem do seu adereço, eram duas pulseiras que jogadores de futebol usavam como símbolo do combate ao racismo, uma branca e outra preta, em alta naqueles tempos. Amanda era um tanto masculina, andava desengonçada a balançar desordenadamente os braços, com o tronco e a cabeça compassados por um movimento homogêneo, não havia muita sutileza no seu caminhar de poucos movimentos, exceto o dos braços que pareciam perdidos. Numa das vezes que decidi descer para o pátio, ao retornar ela estava brincando com um amigo, aplicando-lhe uma “gravata” ao chão, ele era um tanto pequeno, então quando passei e vi os dois ele disse:

-Por que você não bate no Grilo que é do seu tamanho? – Nos encaramos, como se ali tivéssemos que nos provar, ela que era capaz de fazer o mesmo a mim, eu de que em nada me sujeitaria a uma cena como aquela, mas nada aconteceu, nos olhamos mais uma vez, e ela sorriu. No dia seguinte estava lá eu, mais uma vez escorado, no mesmo lugar que me acostumara a ficar e ela veio, quase que como um aviso de que era capaz de me derrubar, enquanto conversava com meus amigos ela me apontou um arame retorcido e me espetou com ele, eu senti, mas fingi não, talvez o medo daquele suposto amadurecimento para o qual não estava preparado me fez a ignorar no primeiro instante, mas depois da terceira “espetada” e ela ali, de frente para mim, foi impossível ignorá-la, afastei o arame com a mão, ela não se contentou e tentou espetá-lo novamente,  afastei de novo, e ela de novo e de novo, até que tomei o arame e ele estava agora parte nas minhas mãos, parte nas mãos dela, e se retorceu até se perder e a nossa disputa passou a ser somente usando as mãos.

Ela queria me derrubar, o podia sentir, era um desafio! Leonardo, o amigo que o propôs agora chegava e agitava: “Agora você achou alguém do seu tamanho! Faça isso que você fez comigo com ele, faça! Agora eu quero ver! ”, e ela tentava e eu assumi um desafio também, tomar-lhe as pulseiras! E assim num jogo de mãos terminamos aquele intervalo.

No dia seguinte assim que passei ela me retribui com um olhar e um sorriso, como se dissesse que o assunto ainda não estava por acabado. Ao soar os sinos lá estava eu, na mesma grade, com os mesmos amigos ao redor, mas ela só foi ter comigo ao fim do intervalo, e parecia tímida, mas ao mesmo tempo impulsiva, me deu um empurrão e foi só. Com o passar dos dias inexplicavelmente voltamos a nos encontrar, simplesmente acontecia, procurávamos inconscientemente o outro e quando nos dávamos por conta estávamos novamente em uma batalha.

Durante algumas semanas isso foi acontecendo, até que a minha turma foi transferida de sala e não mais estaria defronte à sala de aula dela, mas do outro lado do prédio, ainda no segundo andar. Essas mudanças ocorriam frequentemente naquele ano já que a escola estava em reforma. Eu pensei que essa distância nos afastaria pois agora a escada em espiral estaria entre nós, e novamente teria que me contentar em a fitar de longe. No dia seguinte ao primeiro dia da mudança lá estava ela, do outro lado do prédio antes da aula começar, do “meu lado do prédio”, conversando com um amigo, “Andy”, era o apelido que eu mesmo dei a ele. Nessa época eu havia comprado meu primeiro skate e estava fascinado com o esporte, e foi quando eu “estourei” o primeiro rolamento, peguei o anel e coloquei no dedo. É claro que ela notaria e tratou de zoar comigo:

-O que é que é isso meu filho?! Você está namorando? Isso é um rolamento no seu dedo?! Ficou estiloso hein?! – Disse num tom tão irônico que ali mesmo tratei de tirar o anel, quase que desesperadamente para que cessasse suas ironias. Quando por fim consegui tirar, já vermelho de constrangimento ela voltou a falar:

-Você ficou vermelho tal como um pimentão, esse anel é de namoro?

A pergunta novamente veio só que num tom diferente, ela não sorriu quando a olhei sério, expliquei que era um rolamento e que andava de skate, ela se interessou pelo assunto, ficou séria, talvez esperando uma resposta, ou talvez o assunto a tocasse, e certamente tocava a mim.

No intervalo ela estava à minha espera na porta da sala de aula. A aula era de Geografia e estava no fim, os sinos estavam prestes a ressoar, mas para mim já havia acabado, naquela época eu já havia desistido de ser um bom aluno, obter boas notas e tudo o mais que se espera de um estudante. Havia sido reprovado no anterior e por isso não dividia a sala com ela que estava um ano à frente. Eu queria mostrar algo reprimido em mim mesmo e a forma mais fácil naquela época era parecer ao mundo que eu estava pouco me “fodendo” para ele.

Ela se aproximou um pouco mais da porta que estava aberta. Nos olhávamos fixamente, até que a professora se incomodou com sua proximidade e pediu para que ela se retirasse dali, eu ri bastante, pouco depois a aula acabou e fui lhe encontrar rindo daquela situação, todos saíram e voltamos a sala de aula e começamos mais um capítulo das nossas batalhas, desconfiguramos toda a sala, os materiais escolares dos meus colegas caíam a medida que nos empurrávamos, lápis, borrachas, cadernos e fichários estavam aos montes no chão, consegui dominá-la e caímos, abracei-a como uma camisa de força, era a primeira vez que segurava uma mulher em meus braços, seu cheiro era inebriante, seu cabelo tão macio, ela beliscava minha barriga com os poucos movimentos que lhe restavam, o tempo passou muito rápido naquele abraço, tanto que não nos demos conta quando o intervalo havia acabado, até que o professor da aula seguinte nos pegou jogados ao chão abraçados, eu a soltei de súbito e ela tão rápido quanto se levantou e saiu.

“O que aconteceu nessa sala? Parece até que passou um furacão por aqui! ” – Disse a professora ao se deparar com a bagunça que havíamos feito. Não sei ao certo se ela nos viu agarrados e acredito que nem mesmo ela tinha certeza se a cena era mesmo o que parecia.

Com o passar do tempo nossas batalhas eram tão comuns quanto populares, e a diretora da escola já havia nos “marcado” e o ódio entre Amanda e ela era latente. Nas quintas, logo após o intervalo era minha aula de educação física, e nunca deixei de fazer parte do time de futebol, mas as nossas brigas estavam me tirando as forças até para coisas que não abria mão. Numa dessas quintas havíamos tido uma luta daquelas! Adentramos numa das salas desocupadas que iriam ser as próximas a serem reformadas, aos solavancos e empurrões, consegui segurar-lhes os braços a minha frente, nos olhamos, esquecemos a briga naquele instante, senti que era a chance de beijá-la, não que estivesse a buscar essa situação, e não que a não quisesse, mas quando se é jovem e tímido como eu as coisas simplesmente não acontecem. Eu pude sentir desde o primeiro dia que era uma vontade mútua, sentia sua ausência quando falhava a aula e ela a minha, sempre nos cobrávamos de alguma forma, como se um dos dois estivesse faltado a um compromisso. Os feriados eram terríveis! Quando prolongados um martírio... E o ano lá ia se acabando e a frustração creio que nos consumia e ela nesse dia nunca esteve tão perto e eu nunca tão confiante, algo instintivo brotou em mim e quando dei o primeiro passo e afrouxei a pressão que fazia em suas mãos ela tomou minha camiseta pela gola e a rasgou! Sim, ela conseguiu rasgar minha camiseta e saiu rindo e contando a todos que encontrava. Saí da sala cabisbaixo, pela frustração e pela camiseta.

Nessa época eu trabalhava numa vídeo locadora fazia exatamente um mês. O “salário” era simbólico, mas a possibilidade de poder jogar games o dia todo era o que me atraía. A locadora era situada num bairro de classe baixa e por isso não raro tinha de aturar alguns marginais, traficantes, brigões, viciados em games e todo o tipo que aparecesse. Mas na maior parte dos dias meus amigos também estavam por lá, até para poderem compartilhar da minha jogatina gratuitamente, sem que o dono que trabalhava na sua mercearia ao lado da locadora percebesse, e por isso não raro anotava registros fantasmas para poder nos justificar. Minha mãe no dia que Amanda rasgou minha camisa foi levar um lanche para mim até a locadora e perguntou aos meus amigos “quem era ela”. Quando fui dar a camisa para que costurasse viu marcas por todo o meu corpo, seus beliscões e tapas haviam deixado hematomas por todo o meu tronco. Senti que minha mãe estava preocupada, afinal, isso estava a acontecer na escola, mas ao mesmo tempo sentia se feliz por ver seu filho supostamente dando seus primeiros passos junto a alguém, mesmo que esses passos parecessem um tanto violentos.

No dia seguinte, quando acordei vi que minha mãe ainda não havia consertado a camisa e teria de ir com ela para a aula. Assim que cheguei Amanda me recepcionou rindo, ela sempre chegava antes que eu apesar de morar a uma distância consideravelmente maior. Vinha de bicicleta e por isso talvez conseguisse ser mais rápida que o meu despreocupado caminhar. Ela riu quando viu a camiseta e disse:

- Uai fi, cê num tem outra camiseta não?

Eu realmente não tinha outra camiseta e aquela de certo estava velha demais e por isso rasgou. Senti vergonha quando ela disse isso pois nunca dava atenção a certas coisas como roupas, ainda mais se tratando de um uniforme. Quando cheguei em casa pedi para minha mãe que comprasse outra camisa e ela assentiu vendo que a minha estava velha. Foi ao Centro da cidade, comprou-me uma nova camisa de uniforme e costurou a antiga.

Amanda era uma das garotas mais bonitas do colégio e eu de fato nunca entendi o motivo de ter me escolhido. A minha segurança era tamanha que nunca lhe tive ciúmes, bastava por me os olhos para vir a ter comigo. Nos gostávamos, tenho certeza, como em poucas vezes na minha vida tive sobre o assunto. Quando a reciprocidade é tamanha não há espaço para incertezas e nunca temi perdê-la, o que me angustiava era o tempo passar e o fim do ano se aproximar e então viria as férias e ficaríamos distantes. No ápice da minha imaturidade, não via saída para isso, nem meios pareciam existir. Naquela época, as pessoas começavam a usar o celular e era comum a troca de mensagens, ou curtas ligações que duravam não mais que três segundos, não tarifadas neste caso. As pessoas se falavam, ainda que um pensamento demorasse um acumulado de parcela de apenas três segundos. Eu não possuía celular, mas ela sim, e mesmo que tivesse, minha timidez seria uma barreira de modo que acredito que nunca ligaria. Ainda sim tomei nota do seu número e guardei o pedaço de papel como nunca havia guardado uma informação antes.

Os dias passavam, e seu cheiro era como o perfume de uma roupa enxague em amaciante nos meus uniformes. Como era bom abraça-la e proporcionalmente difícil beijá-la! Nossas brigas ainda continuavam, e ela passou a abaixar minhas calças. Quando fazia saía todo desconcertado tentando me reestabelecer o mais rápido. Numa dessas a fiz limpar o quadro esfregando-a na lousa, noutra também abaixei suas calças. Nesse dia nunca a vi tão séria, quando me abaixei temi levar um chute, minha cabeça ficou à altura do seu joelho e por mais que tivesse intimidade, abaixar suas calças extrapolava-a. Tenho de fazer notar que era uma calcinha vermelha e suas pernas brancas, uniformemente brancas como todo o seu corpo. Ela se abaixou muito calma, reergueu as calças que eram calças de uniforme suspensas apenas por um elástico, por isso eram tão fáceis de se abaixar, me olhou firme como se avisasse que aquilo era permitido apenas a ela que o fizesse, deu de costas e não quis ter mais comigo durante o intervalo.

No outro dia não veio até mim, como se esperasse um pedido de desculpa, mas de certa forma eu sabia que as coisas se acertariam. Eu me senti mal pela brincadeira, tinha consciência que havia trespassado os limites de nossas batalhas, mas ao mesmo tempo a imagem resultante era inexplicável, fruto da minha ingenuidade. Eu nunca havia beijado alguém, quanto mais visto uma peça íntima vestida. Queria que soubesse disso, que ela seria a primeira, e quão bem eu começaria. Me disseram que ela talvez não tivesse tocado os lábios de uma outra pessoa, mas não quis perguntá-la, e uma dúvida ao mesmo que uma esperança de que aquilo fosse verdade enchia meu peito.

As provas finais haviam chegado... me lembro que foi num dia chuvoso que ela me disse:

-No ano que vem não vou mais estudar aqui.

- Por que? - Disse, tomado de uma sensação de vazio, olhando-a enquanto sem ânimo se desviava numa brincadeira com o guarda-chuva.

- Minha mãe acha muito longe eu vir para cá todos os dias para estudar e eu vou voltar para a minha antiga escola que é mais perto.

Aquilo de certo era o fim de algo que eu não sei ao certo o quanto duraria, mas parecia infinito até então. Não havia outra saída, se tratando de decisão de mãe, nada eu poderia fazer e nem ela para mudar. Ela parecia não querer, estava chateada mas sabia que seria feito. Ainda ficamos em recuperação com a mesma professora, Cátia que lecionava álgebra. Naquele ano eu havia sido um bom aluno, talvez por ter me dado conta do tempo perdido devido a reprovação, ou mesmo numa esperança infundada de que me esforçando quem sabe podia dividir uma sala de aula com ela.

No último dia de aula era realizado o amigo secreto. Eu havia levado meu skate para desfrutar do relaxamento da direção nesse dia devido as festividades de fim de ano. Era proibido andar de skate na escola, bem como se apresentar trajando algo que não fosse o uniforme, mas ambas as regras nesse dia sofriam um relaxamento e eram revogadas. Foi a única vez no ano inteiro que pus os olhos nela sem uniforme. Ela desceu a escada em espiral trajando uma blusa preta de alças que lhe caiu perfeitamente bem, acompanhado de uma calça jeans que definiam bem suas curvas. Foi a primeira vez que a vi maquiada também, com um leve lápis preto que emoldurou ainda mais seus olhos verdes, um toque sutil de rosa nas maçãs do rosto e um batom que reavivou a cor dos seus lábios, tudo tão sutilmente posto naquela face, sem que perdesse o ar sério que lhe caracterizava. Em suas mãos carregava seu presente de amigo secreto, uma flor artificial com seu nome, mexia naquilo cabisbaixa, senti que estava triste, nunca antes havia falado tão pouco.

- Onde você vai? – Me perguntou.

- Vou andar de skate.

- Então você anda mesmo.

- Sim, achou que era mentira?

Ela me esperava, como nunca me havia esperado antes. Não quis brincar, não quis sorrir, nem sequer tocou em mim, não antes que pudesse sentir meus lábios e eu não me dei conta, não percebi, nem que estava tão linda nesse dia, não como deveria tê-lo notado, nem que estava ali para que aquilo não se transformasse num adeus. Eu não conseguiria, mesmo que tivesse coragem, estragaria tudo de alguma forma, bastava um passo à frente, pegar-lhe as mãos carinhosamente que notaria que não se tratava de uma última briga, levaria ela a praça e lá podíamos transformar aquele semestre numa lembrança perfeita, ao menos não em um adeus. Eu sabia, senti, mas mesmo assim disse apenas que voltasse quando pudesse a escola, não me dei conta que não a veria mais, não nos próximos três anos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário