15 de junho.
Seis meses de namoro.
Era
provavelmente uma das datas mais excitantes para Heloísa. Tudo em seu corpo era
animação e Túlio, seu namorado, sabia o quanto ela levava a sério essas
comemorações: aniversário de quando se conheceram; tantos dias do primeiro
beijo; mensário do primeiro “eu te amo”.
Heloísa era do
tipo que ficava feliz com simples demonstrações de afeto; uma carta, uma flor e
pronto: ela já resplandecia.
Enquanto
revistava a caixa de correio, deparou-se com um envelope rosado, clássico e com
letra de calígrafo. Estava endereçado a ela.
“Túlio”, ela
pensou, com um sorriso na boca, revelando um pequeno diastema nos dentes
superiores da frente. Rubem Alves dizia que cartas de amor são escritas não
para dar notícias, não para contar nada, mas para que mãos separadas se toquem
ao tocarem a mesma folha de papel. Era por isso que ela amava receber cartas.
Emails, em sua opinião, eram muito superficiais e nada íntimo e especial era
compartilhado.
Abriu o
envelope. Um cheiro de rosas foi emanado do papel e, por um instante, ela
apreciou a fragrância. Túlio havia se superado. Depois de apreciar o perfume,
leu a carta.
Eis o seu
conteúdo.
“Srta. Quemelli,
Neste dia tão importante (O tetra do São Paulo na
Libertadores? Melhor. Tudo em 80% de desconto na loja da Lacoste? Muito melhor.
O nascimento do primeiro hermafrodita? Quase...quase lá)... Ei, calma, pequena.
É uma piada! Hoje faz seis meses que estamos juntos e sei o quanto você ama
comemorações.
Está pronta? Pega a moto na garagem e sai. Vai
começar a busca ao tesouro.
Espero você.
Túlio.
P.S: A primeira pista é: the praça of us. Izquierda.
Ten árboles.
Vai!”
Heloísa fechou a
carta, ainda sorrindo e rindo por dentro por causa do senso de humor de Túlio.
“The praça of
us”, ela pensou. Certamente uma mistura bem mal feita entre português e inglês.
A tradução, ao pé da letra, seria “a praça do nós”. Após pensar mais um pouco,
Heloísa chegou à conclusão de que o lugar seria a Praça dos Namorados, perto da
Praia do Canto. Um dos lugares que ela mais amava ir aos fins de semana.
E as outras
partes? Bem... Obviamente a parte em espanhol significava “esquerda” e o
restante tinha algo a ver com a décima árvore.
− Pai, − gritou
da porta da sala – vou sair um pouco.
− Aonde?
Heloísa se
sentia um pouco desconfortável em dizer ao pai que iria a uma busca ao tesouro
proposta pelo namorado – um jovem com quem seu progenitor não se dava muito
bem.
− Vou à casa da
Larissa. Ficamos de estudar juntas para a prova de física de amanhã. – Mentiu,
o coração começando a disparar.
− A que horas
volta? Mais alguém estará?
Que inquisição
era aquela?!
− Volto para
jantar. Giovana e Maria disseram que também iriam. – A mentira estava ficando
maior.
− Ok. Qualquer
coisa, me ligue.
(...)
Heloísa saiu tão
rápido que nem ouviu o pai a aconselhando a levar um cachecol por causa do frio
do inverno que se aproximava. Ligou a moto, sentindo o motor fazer barulho e
arrancou. Amava sentir o vento indo contra o seu corpo.
Na altura da
Avenida Saturnino, chegou aos 70 km/h e um leve sentimento de culpa a tomou por
estar andando tão rápido dentro da cidade. Mas a curiosidade era enorme e
Heloísa não conseguia se conter.
Ao chegar ao seu
destino, estacionou a moto e, descendo dela, correu para o lado esquerdo da
praça, contando as árvores.
1, 2, 3, 4, 5...
“O que será que
Túlio está aprontando?”, ela se pergunta.
...6, 7, 8, 9, 10
Um amontoado de
folhas estava na raiz da décima árvore. Heloísa espalhou as folhas e um pequeno
pacote foi revelado. O abriu: dentro havia um cachecol de caxemira azul e outro
envelope.
Com certeza você não está usando um. Nunca te vi
usar. Agora que o teu belo pescoço não sentirá mais frio, continue sua busca.
Vá até o Cafuné com Pimenta – sim, esse mesmo que você está pensando. Se disser
o teu nome, uma moça te atenderá e uma bela peça usará.
Heloísa subiu na
moto e sorriu divertidamente, adorando este jogo romântico. Envolveu o pescoço
com o cachecol. Um belo presente, pensou, e certamente não foi barato.
Ligou a moto e foi a toda velocidade ao Cafuné com Pimenta. São quase dois quilômetros de
distância e Heloísa chegou em cinco minutos.
Na porta da
loja, Heloísa parou. O que faria num sexy shop? Suas roupas íntimas eram todas
compradas por sua mãe e tinha certeza de que os outros utensílios da loja não a
interessariam.
Ao entrar na
loja, uma vendedora a perguntou se necessitava de ajuda.
− Sim, sou
Heloísa Quemelli.
− Ah, perfeito –
disse a vendedora. – Estava me perguntando se você realmente viria. – E com um
sorriso simpático, ela continuou. – Nesta caixa há cinco modelos de lingerie.
Escolha uma e se vista.
O primeiro era
inteiro, roxo, com desenhos transparente e ombros sutis. O segundo era de duas
peças, rosa claro, com desenhos transparentes ligeiramente mais claros. Havia
mais outros dois, porém Heloísa não os reparou. Chegou ao último: preto, duas
peças, com a parte de baixo sendo um fio dental – mal coberto na frente; nada
coberto atrás.
Heloísa estava
perdida no meio daquelas roupas íntimas e a vendedora, como se lesse a mente
dela, disse:
− Acho que você
não faz o tipo dessa última lingerie. Aconselho a escolher a segunda. – E,
dando-a nas mãos de Heloísa, indicou-lhe o trocador.
Enquanto se
trocava, Heloísa pensou no que diria a sua mãe quando ela visse tais peças no
meio da roupa suja. Poderia dizer que foi Larissa e as outras meninas fazendo
uma brincadeira.
A vendedora
tinha razão. Aquela peça lhe havia ficado magnífica e ela imaginava o que suas
amigas falariam quando lhes contasse sobre toda essa loucura. Algumas até
teriam inveja.
Após se vestir e
entregar as roupas íntimas velhas à vendedora, um novo envelope lhe foi dado.
Até onde aquilo iria? Ela não tinha ideia, mas estava se divertindo muito.
Próximo lugar, Adriana DelMaestro. Acho que você vai
gostar.
Na joalheria,
ela recebeu um belo par de brincos turquesa e mais um envelope. Em Splendore Atelier uma senhora lhe
aguardava com o vestido de gala mais bonito que Heloísa já havia visto na vida. Também havia um envelope e nele estava escrito para que voltasse ao lugar onde tudo começou. Um
táxi a esperava do lado de fora da loja e a levaria até a praça. O que fazer com a
moto? "Tranque-a e deixe a noite acontecer", dizia o envelope.
(...)
Ao entrar no carro,
Heloísa era uma nova mulher. Desde a roupa interior até o que se via por fora.
Se algum conhecido a visse naquele instante, jamais a reconheceria.
O rádio tocava Tenerife Sea, de Ed Sheeran, o que
parecia perfeito para aquele final de tarde/início de noite. O sol começava a baixar e, segundo os
termômetros das ruas, a temperatura estava amena, não passando dos 20 C°.
Heloísa fechou os
olhos, recordando tudo o que havia feito naquele dia. Era uma aventura e, no
momento em que reabriu os olhos, o taxista aumentou o volume do rádio.
“You look so
wonderful in your dress
I love your hair
like that”
Tudo parecia certo.
A forma como as esparsas luzes do sol caíam sobre a terra. A forma como o céu e
o mar se abraçavam no horizonte. Os transeuntes passeando pelas ruas nem
imaginavam o quão importante aquele dia era para ela e o quão maravilhoso
estava sendo.
“The way it
falls on the side of your neck
Down your
shoulders and back”
O carro virou na
Avenida Saturnino e logo chegaram à Praça dos Namorados. Ela reconheceu o Golf
preto de Túlio e começou a correr. Túlio estava ali, apoiado na árvore. Heloísa,
ainda correndo, abriu os braços e se lançou sobre ele, beijando-o
apaixonadamente. Túlio tirou de detrás de si uma orquídea e a pôs nos cabelos da
namorada, sorrindo para ela.
− Admito que
tive medo de que você não entendesse nada das pistas, se perdesse no caminho e
eu ficasse aqui esperando a noite toda.
Heloísa lhe deu
um leve tapa, como se estivesse ofendida com tal pensamento do namorado.
− Feliz
mensário. Espero que tenha aproveitado o jogo – ele comentou.
Ela disse que
sim e quando ele a chamou para ir tomar sorvete na Fioretto, tudo o que pôde
fazer foi beijá-lo. Heloísa quase brigou com a atendente para ter uma banana
split dupla com cereja e cobertura de chocolate e menta ao mesmo tempo. Túlio
pagou um adicional para satisfazê-la e tudo se resolveu.
No carro, ainda
discutindo sobre o sorvete, a atendente e os fascínios pitorescos do dia,
Heloísa mal percebeu que estavam indo em direção à casa de Túlio. Ele abriu a
porta, percebendo que os pais não estavam. Caminharam até o quarto dele, Heloísa
entorpecida pela beleza do momento. Túlio ligou o som. Kenny G soprava, em
seu saxofone, a melodia de “You’re Beautiful”.
A janela foi
aberta e um pouco de lua entrou no quarto e uma leve brisa balançou os cabelos
de Heloísa. Túlio a beijou na testa e começaram a dançar. Da dança para um grande
beijo não demorou muito.
Túlio a levou
para sua cama box, tirando o belo vestido de gala de sua namorada. Ao ver a
roupa interior que ela usava, disse:
− Esperava que
escolhesse a preta com fio dental – falou, rindo-se.
Heloísa o
beijou. Naquela noite todas as músicas mais românticas compostas foram tocadas.
Ou assim pareceu para eles. Túlio era doce e terno, mas insistia em ter algo
mais. Porém seus esforços foram em vão. Teve somente o prazer de vê-la em sua
roupa íntima e nada mais. Um pouco mais tarde, a levou para casa e ao chegarem
lá, ele a beijou, escondendo sua decepção. Depois, dirigindo loucamente pelas
ruas e avenidas de Vitória, Túlio se lembrou de uma música velha de um italiano
que falava sobre uma garota igual a uma torta de baunilha decorada. Uma garota
feliz de não ser comida.
“Igualzinho a
ela”, ele pensou. “E eu dei só uma colherada”.
Naquela noite,
Túlio recordou o quanto gastou para aquele dia ser um fiasco.
Em
contrapartida, Heloísa ligava para suas amigas a fim de contar-lhes o
maravilhoso dia que teve.
Muito bom, rapaz. Sentia falta dessas suas publicações.
ResponderExcluirObrigado
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