“Por que apenas voar, se posso ter o prazer de conseguir a atenção de todos os olhares noturnos?”. Amanda calçou seu sapato de salto alto número 36. O vestido estampado se preenche com suas curvas, mais ressaltadas, devido a inclinação resultante do sapato. Pensou melhor e abandonou a vestimenta de cores berrantes. Preferiu logo trajar um vestido de tubinho preto. Perderia pela discrição e ganharia pelo melhor entalhe de seus desvios simétricos corporais. Em sua penteadeira, uma pilha de adereços comprados semanalmente no AliExpress. As quinquilharias orientais não poderiam substituir todos os adereços femininos, mas já seria uma mão na roda. O nome do perfume francês só é agora corretamente pronunciado porque ouviu a lojista do shopping o repetir exaustivamente, nas três vezes em que comprou um novo frasco. “Toucher Cristallin”. Era o movimento de lábios exato para verificar se o batom carmesim não estava exagerado.
Olhou-se rapidamente no espelho. Sempre que se sentia magra demais se lembrava do apelido dado pelo seu pai quando era criança. Magrolina, era assim que a finada figura paterna carinhosamente a nomeava. Arrepiou-se com a lufada de ar frio entrando pela janela e esgueirou-se para fechá-la. Sentiu a inércia abandonando os fios de cabelo levitados pela corrente. Lamentou que o cheiro que recendia de seu belo corpo fosse artificial. Aquilo que a identificava não passava de combinações químicas e mistas de aromas de procedência biológica um tanto quanto duvidosas. Estaria pronta para sair em poucos instantes. Na manhã seguinte encontrar-se-ia na cama de um estranho de seu agrado. Descabelada, com a maquiagem borrada e com odores físicos despontando e sobressaindo o seu aclamado Toucher Cristallin. Estaria também exalando ressaca e toques de vodka em seu hálito seco. Em seguida, observaria os pertences e a decoração do local em que estiver. Provavelmente lamentaria este estilo de vida e iria embora com a dolosa promessa de retornar quaisquer ligações.
O ato de acossar de Amanda nunca é realizado sozinho. Bia era sua fiel escudeira nas noitadas. Escudeira por ter sido escolhida a dedo em sua seleta e nem sempre disponível lista de amizades. Alta propensão ao álcool, indiscreta e desleixada. Sempre cabulava os treinos de spin, o que via de regra, tornava seu corpo levemente flácido. Tinha o rosto com feições duras e animalescas que tornavam-se mais gritantes devido ao uso de uma maquiagem muito carregada. Mesmo assim era atraente. Ao lado de Bia, Amanda era estonteante. A escudeira não deve se tornar parte da concorrência. Amanda preferia manter Beatriz em rédeas curtas. Apesar disso, gradava de sua companhia e por algumas vezes, não conseguiu disfarçar tal apreço que sentia por sua amizade.
As opções de locomoção da noite seriam duas: dividir um táxi ou se aventurar na Honda Biz velha de guerra de Bia. O grande entrave era sempre o de guardar os capacetes da dupla. Bia conseguia manter o seu elmo no interior da motocicleta e o de Amanda ela prendia de forma sábia no clipe de trava do banco. Por sorte, nunca foram roubadas. Naquela noite, a produção não permitia que os capacetes baratos moldassem de forma grotesca os tão elaborados penteados das duas moças. O próprio serviço realizado no salão de beleza teria sido mais caro do que a gasolina que alimentava o veículo e os capacetes surrados da moto. Nem sequer o preço da corrida do táxi, numa gananciosa bandeira dois, faria alguma diferença na exorbitante soma do make-up de Amanda e Beatriz.
Na entrada do clube noturno, as vastas inimizades das garotas já as avistavam com ódio, repulsa e inveja. O sentimento era recíproco. Os olhares se ocupavam de imediato em descobrir quais eram os novos modelítos de roupas, e de identificar onde foram comprados para então, estipularem em suas mentalidades aracnídeas qual quantia havia sido investida. Nem mesmo acionistas da bolsa de valores conseguiriam tamanha precisão. A possibilidade de descobrir que as peças haviam sido adquiridas em liquidações alimentaria os pequenos prazeres daquelas mulheres. A pequenez sentimental prosseguiria no ato de perceber avarias na pele, cabelo e quilos adquiridos ou perdidos durante a semana. Ou até mesmo no ato de desejar que os saltos alheios se quebrem e que as alças das caríssimas bolsas Louis Vitton e Prada se arrebentem no banheiro, na fila do bar ou na pista. Por último, os olhares destas moças se dirigiriam para as figuras masculinas. Para cada homem acompanhado por uma de suas rivais, as olhadelas ganhariam muito mais peso.
Bia de top verde musgo talhado ao tórax, repleto de madre pérolas e um short curto. Amanda em seu perigoso tubinho preto. Bia tomando Martini em grandes golfadas. Amanda na marcha leve e sutil de pequenos golinhos em seu Bloody Mary. Bia soltando-se ao som entusiasmante de Calvin Harris. Amanda jogando o cabelo para trás na levada insinunante da batida de M.I.A. Os pequenos contrastes da dupla de amigas era analisado e perseguido por várias perspectivas ópticas distintas e peculiares. Objetivas e flashes de fotógrafos freelancers, desesperados por reconhecimento e uma futura procura para produções fotográficas de enfadonhas festas de casamentos; Parcas e óbvias capturas advindas das selfies efetuadas em smartphones caríssimos em suas câmeras nada convincentes; Neons e globos de luzes frenéticos e mal sincronizados; Astigmáticos, estrábicos, míopes e perfeitos flertes oriundos de globos oculares das mais diversas cores e simetrias.
No banheiro, Bia beijou Rita em troca de um tiro. O barato animaria sua noite. Amanda na pista rejeitou alguns rapazes pífios e trocou o multi-saboroso Bloody Mary, por um scotch de valor razoável. 2:35 da manhã era o prazo idealizado pelas moças para se separarem de vez e darem um rumo para o fim de noite. O número carregaria para as duas amigas, diversos signos dos mais distintos credos e precauções. Era quase um ritual, e que pelo menos para a Amanda, nunca havia falhado. O jogo sujo na sedução nunca foi um problema em suas jogatinas noturnais. Beatriz estava ali mais pelo movimento, pela falsa sensação de liberdade adquirida em goles nas taças mal polidas e em seus infindáveis cigarros de filtro amarelo sujos de batom. Em um determinado momento, as luzes da pista de dança alinham-se em um pragmático formato de cela. Um cárcere luminoso e metafórico que representaria praticamente todos no interior daquele lucrativo recinto, um simulacro massivo e incognoscível.
Bia conhece um engenheiro agrônomo de uma cidade vizinha. Hospedado no Plaza, chaves do Dodge Ram expostas na cintura. Amanda conhece um estudante de Direito. Jogador de polo aquático, ombro largo estufando a camisa polo de cor esverdeada. Daniel Miranda, garrafa de Blue Label combinando com a pulseira azul da área vip. Leandro Moura, dose nada ríspida de Absolut combinando com o sorriso claro, cerrado e cativante. As pretensões de Daniel não iriam muito além das sexuais e para o futuro, a companhia deveria valer a pena. Leandro sempre cauteloso em seus relacionamentos buscava companhia, risadas e porque não, algo mais. Ambos despretensiosos quanto a alguma seriedade, mas nenhum descartava a possibilidade de um investimento compensatório.
O matchup imperfeito aos olhos de Amanda e, bem, tanto faz para Beatriz. Amanda queria trocar de par. Aliás, que se dane a barganha. Ela só queria tomar o lugar de Bia e cair nos braços de Daniel. Arrancou o iPhone da bolsa Dior e “folheou” qualquer coisa na linha do tempo do Facebook. Elucidou desdém e sorria paulatinamente para a luminosa tela. Leandro não quis desperdiçar sua eloquência para reverter a situação. E olha que o rapaz era bom de discurso. Não via tanta dificuldade na aura feminina como costuma ver em sua área de estudo. Aproveitou a deixa e arrancou o celular da mão de Amanda para cadastrar seu número. Os olhos de Amanda brilhavam numa mistura de susto e inocência. Um raro registro em sua feição. Após ligar para seu próprio número, Leandro beijou a face gélida do lado direito do rosto da moça. Saiu sem dizer nenhuma palavra. Um problema a menos para Amanda.
Para fisgar Daniel bastou dançar ao lado da amiga e de seu desígnio masculino. Ao bailar, fazia um rabo de cavalo em seus cabelos usando as pontas dos dedos e deitava o olhar para a altura do queixo de Daniel. Quando ele percebia, Amanda fitava seus olhos, sorria com o canto esquerdo da boca e desviava o olhar. Bia entendeu a jogada e quis permanecer em cena pelo menos para implicar. Daniel deu o último trago no copo de uísque. 53ml para quase engasgar e criar coragem para despachar Beatriz, que saiu sem pestanejar. A garota caminhou em direção ao bar e investiu um pouco de seus níquéis em uma bebida fumegante.
Amanda sentiu os dedos calejados do robusto homem tateando com firmeza sua cintura esguia. Sequer titubearam e já se beijaram. Daniel sentia que sairia de sua zona de conforto ao estabelecer relação com uma moça que havia o abordado de tal maneira. Admirou a forma com que Amanda abreviou o processo do flerte e de azaração. Mas temeu se daria conta ou não do recado. A curiosidade foi sempre um grande aliado e inimigo. O recém formado casal quitou as bebidas no caixa e abandonaram o recinto.
O ronco vibrante da 4x4 de Daniel. O house desatualizado que preenchia os alto-falantes da caminhonete vinha do pendrive emperrado no player do carro. Pelo menos não era sertanejo universitário que Amanda havia deduzido erroneamente tratar-se das preferências musicais de Daniel. O check-in no hotel duraria uma eternidade e a cabeça de Amanda não parava de girar devido a mistura irresponsável das bebibas no clube. Era um esforço que valeria a pena.
Os primeiros raios de sol já invadiam a janela e reluziam nas opacas paredes do quarto. Amanda não conseguiu dormir bem. Entediada buscava um mote para evadir. Tateou o LCD do celular por alguns minutos. Encontrou o nome de Leandro no registro de chamadas recentes. A recompensa justa para sua desdita. “Bom dia ;)”, escreveu e enviou na breve mensagem do Whatsapp. O celular vibrou com um sms de resposta apenas setenta e cinco segundos depois. Calçou o salto, fechou o zíper do vestido e esticou as asas para alçar voo novamente.
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