terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Tragédia do elevador - Caio Machado

Para Brenda Stéfani

Da mesma maneira que ele entrou, iria sair. Notava-se certo descompromisso, mas também uma enorme tranqüilidade. Após exaustivas quatro horas de prova, aquele rapaz passou seu gabarito a limpo, entregou-o ao aplicador, destacou sua parte com o rascunho das respostas e se dirigiu até o elevador. Na porta do mesmo encontrava-se uma garota notavelmente angustiada. De certo ela não teria se saído muito bem. Muitas pessoas se sentem mal no dia do vestibular e acabam colocando tudo a perder. Afinal, você se prepara para essa prova o ano inteiro e pode se frustrar bastante por não ter o desempenho esperado. Além desse seu desequilíbrio, notava-se também que ela era uma garota bonita e mesmo não sendo de tamanho estardalhaço não tardou que causasse um grande interesse ao rapaz, que agora caminha para junto dela em direção ao elevador. Ela tinha cabelos longos e castanhos, mas era mesmo sua franja que dava todo um diferencial em seu penteado. Trajava uma camiseta azul marinho com um colete preto, um jeans clássico e um Nike Dunk. Só bastou uma olhada de relance para os tênis dela para que ele se decidisse.
- Irei te ver em qual dos cursos ano que vem? – disse ele, se aproximando dela sem medo.
Ela quase não sorriu e respondeu com certa timidez.
- Engenharia Civil... Mas não esteja tão certo quanto a isso... – ela agora começou a reparar nos cabelos encaracolados e desorganizados dele. De súbito um leve interesse começou a surgir da parte dela também. – Mas, e você? – forçando um sorriso – Quando é que te verei novamente? - disse ela novamente reparando na sua camisa xadrez, seu jeans skinny e um All Star branco totalmente surrado.
- Publicidade, e sim. Esteja certa disso...
Eles se entreolharam com certo interesse por alguns segundos, mas a porta do elevador tratou de se abrir para quebrar o clima no qual eles estariam agora imergindo. Antes que a porta se fechasse ele pegou na mão dela, que mesmo mostrando-se um pouco evasiva não o impediu de puxá-la para bem próximo de si partindo direto para um abraço. Foi ela quem beijou ele, que apenas se preocupou em apertar o botão do térreo. Aquele instante duraria apenas dez andares, e cada segundo de euforia recém-inaugurada por eles seria bastante precioso a partir de agora.
Se os dois ingressassem na UFMG como eles queriam, poderiam vivenciar, quem sabe, uma enorme paixão. Ele se chama Carlos Macedo, tem dezoito anos e aquela já era sua segunda tentativa na universidade. Mesmo sendo um tanto manipulador e persuasivo a ponto de se mostrar extremamente eloqüente, ele não conseguia apresentar essa mesma sorte com a disciplina e assiduidade em seus estudos. Ela se chama Bruna Noronha, tem dezessete anos e essa seria a primeira vez em que tentaria ingressar no ensino superior. Ao contrário de Carlos, e se revelando totalmente insegura e tímida, ela conseguia sim conciliar os estudos com a sua conturbada vida. O paradoxo amoroso consiste sempre em dizer que os opostos se atraem, e bem, essa era a sua grande chance.
Não tardaria a acontecer em um eventual romance dos dois, a adoção de diversos apelidos carinhosos e sempre no diminutivo vindos da parte de Carlos, que adorava tal tipo de gracejo e sempre ganhara a confiança e o carisma de todos ao seu redor, graças a suas brincadeiras e ao seu espírito cortejador. Na menor das hipóteses Bruna observaria que seus nomes seguem a ordem alfabética e que seus respectivos sobrenomes também. Isso se toda essa história se encaminhasse, e quem sabe não poderiam até mesmo dividir um apartamento em Belo Horizonte? Ela sempre sonhara morar na Savassi e livrar-se do irmão mais velho. Ele quem sabe, pudesse conquistar sua então cobiçada independência e também ir a algum show de uma banda francesa qualquer. Coisas que sempre passam pela cabeça de dois jovens que cresceram no interior de Minas Gerais e que agora se encontrariam a apenas um passo de tamanha realização.
Situado em um campus de uma universidade particular qualquer na Avenida Professor Alfredo Balena, o elevador daquele prédio descia rapidamente naquela tarde nublada de dezembro. Ao contrário de tudo que se entende sobre o amor e sobre todas as besteiras de que o tempo passa rápido quando se esta com quem se gosta, aquilo parecia sim estar durando por horas a fio. Sinestesicamente os dois se arrastando pela inércia do elevador, se equilibrando apenas com o fôlego perdido em seus beijos. A mão tímida dela agora já começava a percorrer e arranhar todo o corpo dele, que se arrepiava com aquele fetiche meio sadomasoquista de Bruna, que já não sabia mais o que fazia e se mostrava muito ofegante. O passeio se encerraria em apenas dois andares e o feitiço que os maravilhava iria todo pelos ares.
Ao chegarem no térreo, só sobrou tempo para recuperarem um pouco do fôlego e de trocaram seus e-mails anotando-os nas bordas dos gabaritos. Não aconteceu sequer uma casual apresentação entre os dois. Encontravam-se tão evidentemente anestesiados e arfantes com aquela paixão, que mal conseguiam raciocinar para tanto. Infelizmente, o irmão de Bruna já a esperava na porta do prédio e ela só teve tempo para um discreto beijo nos lábios dele. Ele ainda conseguiu tempo de segurar seus dedos trêmulos enquanto ela saia. O velho Marea de seu irmão o esperava em cima do meio fio. Seu irmão tinha o péssimo hábito de estacionar em cima da calçada quando estava com pressa ou algo relacionado. Ela entrou no carro acreditando piamente em ter encontrado o suposto amor de sua vida, e como quem acabasse de sair de um sonho ou conto de fadas, voltou para a realidade pacata e aconchegante de Belo Horizonte. Seu irmão estava quase na casa dos trinta anos e aparentava ter saído de alguma banda britânica do naipe de Franz Ferdinand. Era um rapaz mesquinho, de criação árdua, também em cidade do interior e na maioria das vezes se mostrava bastante autoritário. Ficou um pouco curioso sobre o rapaz que viu com sua irmã caçula na porta do prédio, mas como encontrava se aflito por estar próximo de pedir sua namorada em casamento, não se aturdiu com o ocorrido e seguiu para seu apartamento. Na porta do prédio, Carlos já se encontrava um tanto quanto indiferente ao ocorrido. Olhou para o pedacinho de papel com aquele e-mail anotado as pressas por Bruna e ao invés de guardá-lo no bolso o embolou e jogou na sarjeta, ali mesmo. Ele se considerava ator demais pra se prender em um romancezinho barato de elevador.
Revisão: Maele Finger

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