domingo, 17 de junho de 2012

Um dia e nada mais - Caio Machado

Disseram-me que aquela era a única pessoa na cidade capaz de realmente lançar um mal olhado em alguém. Recorrer para macumba para dar um fim no amante de minha mulher. Em que ponto foi chegar essa situação? Eu poderia tentar outros métodos, aliás, já tentei, mas nada funcionou. O pequeno escritório daquela mãe de santo ficava dentro da galeria central e cheirava a incenso barato e sabão em barra. Seus cabelos negros eram encaracolados e desgrenhados. Sua fala era longa e arrastada. Após nos cumprimentarmos disse sem rodeios para que ela desse um sumiço daquele rapaz na vida de minha esposa. Ela paulatinamente disse ser impossível conseguir que ele se afastasse dela por algo mais do que um dia e eu reclamei dizendo que um dia não mudaria em absolutamente nada. Por trás daqueles olhos castanhos escuros eu percebia de que algo ali estava bem errado. Ou ela conseguia sim se livrar do amante de minha mulher ou ela não passava de uma charlatã tentando me convencer de que é capaz de tal feito para apenas extorquir meu dinheiro. Mesmo tendo sido extremamente recomendada por pessoas de minha confiança, não conseguia entrar em um consentimento com a bruxa.
Ela insistia na ideia de que poderia afastar a pessoa por apenas um dia e que nesse curto período de tempo minhas atitudes sim, seriam definitivas para que mudanças a respeito da infidelidade de minha esposa fossem tomadas. Discordei novamente dizendo que se só isso resolvesse eu mesmo daria um sumiço naquele infeliz por vinte e quatro horas. Pedi para que ela o mandasse para o Recife ou mesmo a China. Só bastava que ele desaparecesse por completo, não se tratava de tirar a vida daquele homem. Meu amor por minha mulher já aceitou a traição, não custaria muito perdoá-la após ele partir. A macumbeira não se deu por vencida e continuou na mesma ladainha. Aquela saliva grossa que saltava de sua boca ao dizer sílabas carregadas me enojava cada vez mais.
Não me dei conta de que havia perdido toda à tarde naquele lugar sem nada ter resolvido e decidi largar mão disso tudo e partir para minha casa. A senhora me jogou um sorriso de lado bastante pejorativo e disse que no dia seguinte ela resolveria meu problema. Novamente a sensação de estar sendo passado para trás me ocorreu, mas agora eu já não tinha mais nada a perder. Ao chegar em casa, notei que minha esposa se encontrava em nosso quarto arrumando os lençóis da cama e conversando ao telefone. Sorrateiramente pude ouvir bem enquanto ela agradecia a mãe de santo por me manter afastado de casa bem no dia da folga de seu amante e como a sua tarde havia sido maravilhosa. Segui para o sofá da sala e afundei em minha poltrona. Era quarta-feira e o Jornal Nacional trataria de me distrair ou confortar meus mansos chifres.

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