quinta-feira, 21 de junho de 2012

Monologando sobre a solidão - Henrique Donancio

Não me lembro qual foi a última vez que fiquei um dia sem mandar-lhe mensagens ao celular. Talvez nunca o fiz, pela necessidade de estar presente de alguma forma e também de me acalmar. A falta de notícias, de contato, carregam-me para uma imensidade de suposições que me atordoam. Aonde e com quem você está agora? Apenas sacio esta necessidade doentia quando insisto e descubro que você está no sofá da sala conversando com seus pais.
Já se fazem duas semanas que não nos vemos e toda viagem que temos que nos ausentar por determinados dias me trazem a crença que voltaremos novos, com vontade do outro, mas pelo que parece essa não será diferente de outras idas. Por hoje resolvi fingir não existir, ver se você notava minha ausência, mas já fazem algumas horas de um novo dia e provavelmente já está deitada em sua cama, descansando para tomar o rumo de nossa casa outra vez, e de novo ter que ouvir você talhar desculpas e engolir todas como um filho alimentado por sua mãe. Em alguns momentos perco-me, sinto vontade de jogar tudo que construímos e passamos juntos fora, ver-me livre, noutras apenas a sensação de perca já me basta para desistir.
Me consome um pensamento covarde, como imagino que você o seria. Pedir que não me procure, que preciso de um pouco de paz, que estou cansado de tudo isso, tudo num simples adeus por SMS, pois pessoalmente sempre que tentei lhe reivindicar um pouco mais de atenção ou dizer-lhe que estava de partida, você me fez parecer um idiota, sei que também faltou por minha parte certa convicção, mas esperava que apenas fingisse.
O telefone soa...
“Me ligue, estou com saudades...” – Faço o que me pede.
-Oi, onde você está?
-Oi.
-Onde você está? Pergunto-lhe insipidamente.
-Nossa! Como sempre né Guilherme! Olha eu ligo, mando mensagens, faço questão e você ainda me trata assim, nunca está bom, nunca... Eu estava lá embaixo com as gurias e deixei o celular no meu quarto, quando voltei vi suas ligações... – Então desligo.
Mais uma vez meus ciúmes doentios... Tento ligar os fatos, as pessoas, tudo que havia contado nos últimos dias e parece tudo fazer sentido até que minha insistência faça parecer que algo está errado. Fico abatido então, sei que errei e por isso você vai se isolar, outra vez pareci não confiar, não acreditar...
Nas semanas seguintes parecia conversar comigo quase por obrigação, como sempre fazia, e isso me atordoava mais ainda, essa incessante ideia de que tudo deveria ser intenso e sempre intenso, talvez por de certa forma tentar alçar isso, por querer sempre melhorar coisas que só funcionam com seus defeitos, como aquele liquidificador que trouxe de minha antiga casa, que só ligava quando o cabo de energia ficava enrolado em sua base.
Decidi então que precisava de um tempo para mim, ou acabaria por te perder.Liguei para o Daniel e perguntei-lhe de seu avô, que há tempos atrás viera me falar de sua solidão, peguei todas minhas economias e fui rumo ao Uruguai, para o sítio do velho que apenas vira uma vez na vida, através  do amigo que conhecera assim que chegará ao sul. Dizia ele que o velho gostava de uma boa companhia, pois alguns anos atrás sua parceira de quase uma vida falecera de um câncer que lhe tomara os pulmões.
Quando cheguei ao sítio o velho me mirava com uma espingarda que mais tarde me contou ser lembrança sua de caçadas noutros tempos. Só a abaixou quando consegui falar-lhe com meu portunhol muito mal elaborado que era amigo de seu neto. Era uma figura exótica dos quais me habituara durante os anos de vida, simples e sempre sorridente. Ainda tinha muitos de seus fios que um dia creio que foram negros sobre o couro de sua cabeça, também um bigode e uma cicatriz ainda de um vermelho vívido no supercílio. Perguntei-o onde a adquiriu e ele me disse que foi numa pescaria. Tive a impressão que não a conquistou lidando com a pesca.
Duas semanas se passaram...
O velho se chamava Abelardo e em pouco tempo lhe confidenciei muito ao meu respeito como também o fez. Contou-me sobre a perca de um dos filhos e como sua esposa morreu. Abelardo esteve por um tempo em Cuba pois era um aspirante comunista e queria ver de perto como funcionava o regime da família Castro, logo após a estabilização dos rebeldes no poder. Gostava de tragar alguns cigarros e então despertara o interesse pelos charutos cubanos que dizia ele se envergonhar pois aquilo não tinha a alma caribenha e sim o suor. Fumou demasiadamente por muitos anos, algo que compartilhou com a esposa até o fim da sua vida, após isso largou o vício e dizia arrependido de um dia ter oferecido a amada o primeiro trago. Contou-me sobre o que aprendeu da vida e como estava a desperdiça-la no seu restante. Parecia ter retirado com suas mão manchadas pela idade todos os meus devaneios, algo que consegui me desapegar somente dois meses após.
Quando tornei a cidade que passara os últimos anos mais felizes de minha vida ao lado da mulher que julgava ser capaz de estar ao lado até o fim da minha existência, soube que ela se cansou da espera e falta de notícias minhas, em tão curto tempo. Havia desistido, sofreu com meu desaparecimento, se perdeu em algumas noites entre copos e outros corpos, mas que ainda assim andava a voltar para casa sozinha, ainda guardava o lado esquerdo da cama a espera que eu voltasse, cinco meses haviam se passados desde a última vez que lhe pusera os olhos. Aquilo tudo me tomara em angustia, talvez o melhor seria deixar tudo como estava, pensei então em ficar e continuar com minhas ambições mais singulares, talvez esquecê-la...
Quando amanheceu tomei o primeiro ônibus para Porto Alegre, afim de seguir em outro para uma pequena cidade em meio as Serras, trataria de trazê-la, ou mesmo ficar se isso lhe fizesse mais feliz, e se ainda me quisesse.


Um comentário:

  1. Fico muito feliz por finalmente encontrar um conto seu por aqui e dessa vez sem um aviso prévio de que o faria. Ao mesmo tempo triste por pensar que esse texto possa refletir a algo pessoal em sua vida. Uma escrita triste, porém esperançosa. Posso estar equivocado, mas quero dizer ao menos que nossa amizade também veio a se tornar um tanto esquecida e desprovida de novidades! Abraço grande Henrique!

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