quinta-feira, 19 de maio de 2011

Gaúcha Chimarrão - Henrique Donancio

Era noite de carnaval. Corria sobre as feições de meu rosto um vento frio, vindos das correntes de ar das águas geladas do Atlântico. As ruas estavam demasiadamente iluminadas, com pisca-pisca de cores alegres. Havia muita gente se dirigindo para a avenida principal do balneário, onde todos festejavam. Ainda me adaptava a um novo estilo de vida, fazia amigos, deixava alastrar os primeiros nódulos de minhas raízes num lugar até então desconhecido. A blusa de frio condenava tudo isso. Era um dos poucos agasalhados, não que o tempo estivesse gelado, pelo contrário, estava agradável, o vento era o que me causava certo incomodo. Estudava todos aqueles rostos novos, com a esperança de reconhecer algum, mas era inútil, a mais de dois mil quilômetros de casa ninguém me era familiar. Zombava dos hábitos estranhos daquela gente com alguns amigos que também compartilhavam do mesmo sentimento, quando um grupo de garotas parou por detrás de nós três (não que tivesse reparado a princípio) e então uma delas, que trazia preso a cabeça uma bandana cor de rosa desapegou do grupo, e correndo enquanto dava lhe de costas veio em minha direção e deu me um tapa nas nádegas. Dei-lhe um olhar frustramente pouco exaltado, fitei para os que me acompanhavam, e todos me olhavam com a mesma expressão interrogativa talhada em seus rostos, então bati a mão no bolso de trás. A carteira! Minha carteira, que guardava algum dinheiro e todos os documentos essenciais para viver na vida socializada e burocrática do mundo moderno estava intacta.
- A carteira, sua carteira está ai?
- Está, ela está no meu bolso, me esperem aqui. E subitamente, e creio que até involuntariamente coloquei-me a correr atrás da garota.
Quando a avistei ela ria, provavelmente do seu feito, estava junto as mesmas pessoas que pararam por detrás de nós a pouco. Quando notaram que me aproximava alguém disse: “corre, corre”, ela arregalou os olhos, sorriu e pôs-se a correr dando gargalhadas.
Atalhava entre os corpos que andavam vagarosamente a olhar a festividade dos blocos carnavalescos. Tinha certo jeito de entrecortá-los, diferentemente de mim, que grotescamente os trombava com esbarrões. Apesar da sua agilidade, tinha pernas curtas e grossas, que pesaram na sua fuga, tanto que não tardou muito para os meus passos espaçados a alcançassem. Agarrei a pela braço e voltando a para mim disse:
- Me solte, me solte! Quem és tu para me agarrar assim!
Soltei-a pois suas palavras me fizeram por um curto espaço de tempo pensar que eu estivesse a agarrando, como um bêbado pegajoso que flerta, se é que pode assim ser considerado, pelas forças de suas mãos e pela insistência de trazer a mulher desejada por força bruta.
- Você é louca! Dá-me um tapa e quer que fique por assim mesmo?
Ela riu e então disse: -Então não gostastes de tapas?!. Sua vulgaridade começava desabrochar certo encanto em mim, pelo sorriso, pelo jeito atrevido de falar, me fitava com olhos reluzentes. Um olhar infantil dentro de uma mulher promíscua.
- É, não sei, enfim, acho que me equivoquei, ando bastante perturbado.
-Perturbado?! Em pleno carnaval? Bah, vamos lá! Tenho certeza que não és daqui, nunca o vi antes, e o modo como tu fala és estranho.
- Certamente, vim de Minas, e ainda estou me adaptando.
- Tu te adaptas fácil guri, fácil!
O grupo de amigas nos alcançou, mas perceberam que a situação já não tinha um clima hostil. Ela apalpava meu rosto delicadamente, quando então me convidou para beber algo.
Os bares da cidade vendiam poucas bebidas das quais gostava. Tinha certa preferência pela cerveja da garrafa verde, mas a última tinha sido vendida a pouco, argumentou a garçonete. Peguei uma garrafa longneck de Stela Artois, quando a menina voltou do grupo de amigos trazendo uma cuia transbordando mate.
Aquilo era para mim como um chá (adianto já que realmente se tratava de uma espécie), e jovens como nós, em minha terra não andam bebendo chás pelas ruas, aliás, se quer bebem. Então zombei:
- Se andasse com isso por onde eu moro, pensariam que estava bebendo maconha.
Ela riu da minha grosseria. De fato tal pensamento tinha certa hilaridade.
- Nunca bebestes chimarrão antes?
- Não, não vendem disso na minha região, e bem, o aspecto não é dos melhores.
- É, entendo, não é tão bom assim, mas é que se acostuma, então acabando viciando. Prove deste.
Quando estendeu a bomba rumo a minha boca retribui com repugnância, quando levantei os olhos e os pousei sobre seu rosto cedi, desci afim de encontrar a extremidade do canudo quando o tirou a do meu rumo e me deu um beijo. Era um beijo quente, e tinha o frescor de erva.
Sobre a garota dessa noite, bem, nunca mais a vi. Trocamos contato naquela noite, telefone, redes sociais... Mas creio que ela também não teve disposição para correr atrás de algo tão repentino e fugaz. Quanto a mim, todas as noites antes de sair, tomo uma cuia de mate para disseminar o beijo da gaúcha chimarrão.

2 comentários:

  1. Ótimo texto Henrique! Senti um ar meio autobiográfico hein?!

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  2. Com um pouco de criatividade eu diria. Mas a propósito não ando bebendo chimarrão, estou com saudades é do pão de queijo!

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