Todas as crianças
crescem – menos uma. Wendy Darling daria tudo para ser essa uma.
A terceira idade já chegara há anos, trazendo consigo os cabelos
brancos, o cansaço e os arrependimentos. Sentia falta de tudo o que
sua vida poderia ter sido simplesmente por não ter dado uma resposta
diferente àquela pergunta, tendo assim dispensado a vida adulta, as
decepções e as inevitáveis lágrimas que por vezes pareciam
infindáveis.
A sensação lhe era estranha, inexplicável, ter saudade de algo que
sequer aconteceu. Sentada em sua cadeira de balanço, olhava para
aquele gorro verde sobre o parapeito da janela, o único vestígio
daquela noite fria na qual Peter Pan havia lhe feito uma última
visita. E, quanto mais pensava na tormenta que vivera nas três
últimas décadas, mais convicta ficava de que o responsável por
tudo aquilo era ninguém menos que o próprio menino da Terra do
Nunca.
Sempre soube que deixar de ser criança não seria boa coisa. A todo
o momento seu pai estava ali para lhe reforçar essa ideia.
A garotinha era muitíssimo feliz contando histórias aos irmãos,
vendo os sorrisos em seus rostos, brincando com eles, cuidando-os.
Durante uma madrugada como outra qualquer, o menino que havia perdido
a sombra apareceu pela primeira vez, e Wendy o ajudou com seu
problema, mas apenas isso não o satisfez: este lhe propôs uma
aventura.
Por que é que lhe dei ouvidos? Para ele era fácil falar, não
cresceria nunca.
Quando voltou de sua jornada, no entanto, carregava consigo o agora
desperto lado adulto. Chegava até ansiar a maturidade, deslumbrada
pelas experiências com os meninos perdidos: não conseguindo ver o
quão cega estava, deixou-se crescer. Casou-se, teve uma filha, e por
anos a fio tudo estava bem. Jane, a filha, era apenas um bebê e o
marido, dedicado, as dava atenção e carinho.
Quando Jane cresceu, Wendy contou-lhe as mesmas histórias que
dividira com os irmãos, agora já casados, cada um tocando a própria
vida. Acordava cedo, organizava a casa, sentava um pouco para ler ou
escrever as histórias que tanto amava, mas logo em seguida se via em
pé, preparando o almoço, para então buscar a filha na escola.
Numa outra noite, o garotinho magricela mais uma vez deu o ar de sua
graça, dessa vez levando Jane consigo: como ocorrera com a mãe, a
garotinha voltou de lá mudada, mais feliz, até falando em ter
filhos!
E cada vez mais o marido estava ausente, augúrio que veio quando as
primeiras rugas se fizeram presentes, e assim, a previsão foi
confirmada poucos meses depois: o divórcio.
— Foi melhor assim. – tentou lhe dizer a filha, num sussurro
pouco seguro. — Ao menos não haverão mais brigas, mãe, e a
ferida há de cicatrizar com o tempo. Talvez ele não a merecesse...
Talvez, pensou Wendy, ainda a balançar. Eu poderia ter me
virado sozinha. Teria escrito um romance se não houvesse perdido meus
melhores anos cuidando da casa ou fazendo a comida para aquele porco
egoísta.
Quando chegou aos sessenta, viu a filha se casar. Havia encontrado um
bom rapaz, um professor com grande futuro. Mudaram-se dali, e Wendy
se viu sozinha novamente, tendo apenas suas histórias, as memórias
e a raiva guardada da vida que nunca quis ter. O choro ainda lhe
vinha, não somente por tristeza,mas por diversos motivos. Dentre
todos o mais palpável era a inveja.
Como eu queria ter o poder de Peter... Ser criança pra
sempre. Ele estragou minha vida... -Lamentava-se diariamente.
Ele
tem tudo o que quer, e eu, tive tudo o que não quis.
“Você não pode mais voltar, Wendy. Sabe disso. Apenas as crianças
conseguem.”, disse-lhe o garoto, antes de partir, dessa vez em
definitivo. Tirou o gorro e o deixou ali mesmo, enquanto sua antiga
companheira lhe suplicava ajuda. O frio da noite adentrava o quarto
escuro, onde o único barulho presente provinha do balançar
ininterrupto.
Afundada no próprio oceano de aborrecimento, a velha senhora que
sonhava em mais uma vez ser jovem chorou, levantando-se. Dando
alguns passos, pegou nas mãos o gorro esverdeado e o fitou.
É tão injusto que ele viva eternamente a infância enquanto
todos vivem a vida uma vez apenas, sem segundas chances. Sentiu o
coração bater mais forte ao saber que não usufruiu nem da própria.
Ao contrário disso, viveu as dos outros.
Wendy colocou o gorro de Peter e, com dificuldade, subiu na janela.
Suas pernas doíam e tremiam, talvez um pouco pelo frio. Observou o
céu, estrelado.
Respirou profundamente pela vez e permitiu-se um último voo.
Testo bom de ler!!! Mas como num devaneio se torna realidade!!!
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