segunda-feira, 11 de maio de 2015

O Problema de Wendy

            Todas as crianças crescem – menos uma. Wendy Darling daria tudo para ser essa uma.
A terceira idade já chegara há anos, trazendo consigo os cabelos brancos, o cansaço e os arrependimentos. Sentia falta de tudo o que sua vida poderia ter sido simplesmente por não ter dado uma resposta diferente àquela pergunta, tendo assim dispensado a vida adulta, as decepções e as inevitáveis lágrimas que por vezes pareciam infindáveis.
A sensação lhe era estranha, inexplicável, ter saudade de algo que sequer aconteceu. Sentada em sua cadeira de balanço, olhava para aquele gorro verde sobre o parapeito da janela, o único vestígio daquela noite fria na qual Peter Pan havia lhe feito uma última visita. E, quanto mais pensava na tormenta que vivera nas três últimas décadas, mais convicta ficava de que o responsável por tudo aquilo era ninguém menos que o próprio menino da Terra do Nunca.
Sempre soube que deixar de ser criança não seria boa coisa. A todo o momento seu pai estava ali para lhe reforçar essa ideia.
A garotinha era muitíssimo feliz contando histórias aos irmãos, vendo os sorrisos em seus rostos, brincando com eles, cuidando-os. Durante uma madrugada como outra qualquer, o menino que havia perdido a sombra apareceu pela primeira vez, e Wendy o ajudou com seu problema, mas apenas isso não o satisfez: este lhe propôs uma aventura.
Por que é que lhe dei ouvidos? Para ele era fácil falar, não cresceria nunca.
Quando voltou de sua jornada, no entanto, carregava consigo o agora desperto lado adulto. Chegava até ansiar a maturidade, deslumbrada pelas experiências com os meninos perdidos: não conseguindo ver o quão cega estava, deixou-se crescer. Casou-se, teve uma filha, e por anos a fio tudo estava bem. Jane, a filha, era apenas um bebê e o marido, dedicado, as dava atenção e carinho.
Quando Jane cresceu, Wendy contou-lhe as mesmas histórias que dividira com os irmãos, agora já casados, cada um tocando a própria vida. Acordava cedo, organizava a casa, sentava um pouco para ler ou escrever as histórias que tanto amava, mas logo em seguida se via em pé, preparando o almoço, para então buscar a filha na escola.
Numa outra noite, o garotinho magricela mais uma vez deu o ar de sua graça, dessa vez levando Jane consigo: como ocorrera com a mãe, a garotinha voltou de lá mudada, mais feliz, até falando em ter filhos!
E cada vez mais o marido estava ausente, augúrio que veio quando as primeiras rugas se fizeram presentes, e assim, a previsão foi confirmada poucos meses depois: o divórcio.


— Foi melhor assim. – tentou lhe dizer a filha, num sussurro pouco seguro. — Ao menos não haverão mais brigas, mãe, e a ferida há de cicatrizar com o tempo. Talvez ele não a merecesse...


Talvez, pensou Wendy, ainda a balançar. Eu poderia ter me virado sozinha. Teria escrito um romance se não houvesse perdido meus melhores anos cuidando da casa ou fazendo a comida para aquele porco egoísta.

Quando chegou aos sessenta, viu a filha se casar. Havia encontrado um bom rapaz, um professor com grande futuro. Mudaram-se dali, e Wendy se viu sozinha novamente, tendo apenas suas histórias, as memórias e a raiva guardada da vida que nunca quis ter. O choro ainda lhe vinha, não somente por tristeza,mas por diversos motivos. Dentre todos o mais palpável era a inveja.
Como eu queria ter o poder de Peter... Ser criança pra sempre. Ele estragou minha vida... -Lamentava-se diariamente.
  Ele tem tudo o que quer, e eu, tive tudo o que não quis.
“Você não pode mais voltar, Wendy. Sabe disso. Apenas as crianças conseguem.”, disse-lhe o garoto, antes de partir, dessa vez em definitivo. Tirou o gorro e o deixou ali mesmo, enquanto sua antiga companheira lhe suplicava ajuda. O frio da noite adentrava o quarto escuro, onde o único barulho presente provinha do balançar ininterrupto.
Afundada no próprio oceano de aborrecimento, a velha senhora que sonhava em mais uma vez ser jovem chorou, levantando-se. Dando alguns passos, pegou nas mãos o gorro esverdeado e o fitou.
É tão injusto que ele viva eternamente a infância enquanto todos vivem a vida uma vez apenas, sem segundas chances. Sentiu o coração bater mais forte ao saber que não usufruiu nem da própria. Ao contrário disso, viveu as dos outros.
Wendy colocou o gorro de Peter e, com dificuldade, subiu na janela. Suas pernas doíam e tremiam, talvez um pouco pelo frio. Observou o céu, estrelado.



  Respirou profundamente pela vez e permitiu-se um último voo.

Um comentário: