quarta-feira, 1 de julho de 2015

Eponine no século XXI


É um hábito meu fingir que não me importo com o que as pessoas pensam e dizem a meu respeito. A verdade é que me importo um pouquinho. A sociedade em que vivemos é tão medíocre e alienada em seus próprios preconceitos que fica um pouco dificil sobreviver sem abrir mão de parte de sua personalidade.
Um bom exemplo de mediocridade social: amor!


[...]


Eu preciso te esquecer. Preciso seguir em frente. Preciso me sentir bem e feliz de novo, mesmo estando longe de você.
Olhar nos teus olhos e não encontrar a mesma coisa que existe dentro de mim dói muito, dói tanto que chega a doer fisicamente.


[...]


Uma vez você me disse que amar alguém é muito raro, mas, mais raro ainda era haver reciprocidade. Você esqueceu de dizer que essa primeira raridade é capaz de destruir sua alma, caso não venha acompanhado da segunda hipótese. Na minha opinião, entre ficar com a solitária primeira hipótese e a morte, prefiro mil vezes a morte.
Existem muitas teorias sobre o que ocorre depois da morte. Para alguns existe a possibilidade de reencarnação, para outros, apenas o céu e o juízo final. São tantas ideias e divagações que giram em torno do assunto que fico até confusa e perdida.
A verdade é que eu não gosto de nenhuma dessas possibilidades. Gostaria que a morte fosse apenas a morte, ou seja, a interrupção definitiva de um organismo. Sem mais e nem menos. O ponto final da frase em que não cabem mais vírgulas ou qualquer outro tipo de acréscimo. Sem renascimentos, sem recomeços, sem tribunais do júri, sem inquisição!
Outro ponto que me irrita muito em relação à morte é essa crença de que seu controle deva ser indisponível a nós. Não acho justo que tenhamos a obrigação de manter esse fio amarrado a nós.  Sim, a vida tem sua beleza. Uma beleza mágica  para aqueles que sabem degustá-la. No entanto, sinceramente, meu paladar é péssimo!
Você pode estar pensando: nossa, que morbidez inútil! Se quer ver dessa maneira, que assim seja! Mas, tente olhar pela minha janela. A vida é um jogo, tipo aquele do “Super Mário”, sabe?! Ela é composta por diversas fases e situações, assim como no jogo. A diferença entre ambos está no final. No “Mário” você só tem que apertar os botões certos, na hora certa. Movimentos planejados. No final você salva a princesa e é feliz para sempre. A vida, por sua vez, também lança mão de vários níveis e circunstâncias, entretanto, ela não depende apenas da sua vontade e desempenho. Depende da reciprocidade dos seus próximos.
Reciprocidade. Eis o grande objeto de desejo dessa criaturinha asquerosa chamada Amor! Sem esse ponto de equilíbrio, o amor é obrigado a escolher entre dois caminhos distintos: obsessão ou amor verdadeiro (em sua forma pura). Nesse, há sacrifício e renúncia. Deixa-se o objeto amado seguir seu próprio caminho e ser feliz à sua maneira. Naquele, há a constante perseverança, mas, sem a pureza típica do amor. Trata-se de uma sentimento egoísta e ciumento, que põe a si  mesmo no centro do espetáculo.
Refletindo sobre esta última hipótese, deixo claro que nunca me permitirei ficar obcecada por você. Uma vez li em algum site (digo site por não ter a menor noção de onde tenha encontrado essa ideia) que as fragilidades emocionais, de acordo com a intensidade, podem se transformar em dependência em relação a outra pessoa.
Embora a pessoa ainda dê o nome “amor”  para o que  sente pelo outro, deixa de ser amor no momento que a dependência se inicia. O amor é uma troca saudável entre duas pessoas. Quando uma delas passa a se comportar de forma a prejudicar o outro , na verdade, há uma confusão de sentimentos, mas que não pode ser chamada de amor.
Pois bem! Por mais que você não mereça (uma criatura egoísta como você, de fato, não merece), optarei pelo amor em sua forma mais pura. Deixarei que parta, que siga seu caminho.
Antes, tirarei as pedras e espinhos que puderem vir a te ferir, ou que te façam tropeçar. Cuidarei para que nada lhe falte. Não faltará grama macia para seus pés descansarem. Não faltarão flores nas margens do caminho. Não faltarão água fresca. Não faltarão amigos para lhe fazer companhia. Não faltará alimento. Providenciarei para que o caminho daquela a quem você ama cruze com o seu. Acredite, nada lhe faltará.
Quando falei que preferia a morte, falei muito sério! Muitos dizem que antes de optar por se desconectar desse plano material, deva-se pensar na família, nos amigos, enfim, naquelas pessoas que tanto te amam, e que sentirão sua falta. Julgam egoísta quem não escolhe permanecer. Mas aí, penso comigo...egoísta?! Quem é o real egoísta nessa história? Refletiremos juntos sobre algumas questões e depois, você, em seu íntimo, responda essa pergunta a si mesmo.
O professor Peter Cohen, psicólogo e sociólogo pela Universidade de Amsterdam, ao estudar as causas de vícios (não só de drogas, mas, qualquer espécie) demonstrou que os seres humanos possuem uma necessidade profunda de estabelecer laços e conexões, sendo esta a forma como se satisfazem. A incapacidade de se conectar a outra pessoa deixa um vácuo que, em regra, é preenchido por algum vício. Assim, se não conseguem se conectar a pessoas, se conectam às drogas, aos jogos, etc.
Agora, meu querido, imagine que esse vazio que você deixou em mim tenha um formato peculiar. Um formato único. Tão único, que apenas você tenha a capacidade de se amoldar a ele. De me tornar completa. Já imaginou?! Se imaginou, poderá entender minha incapacidade de conexão com qualquer outra pessoa ou coisa.
Pense também na dor dilacerante que sinto na minha alma em todas as tentativas frustradas de completar esse vazio. Reflita em como minha vida se torna insípida e incolor.  Dói mais que a dor física. Não consigo trabalhar, nem ir a faculdade. Estar próxima a outras pessoas é o mesmo que estar gritando sem que ninguém me escute.
Por muito tempo imaginei uma explicação para minha inépcia de conectar, afinal, talvez, fosse apenas frescura minha. Mas, como criar raízes em meio a uma sociedade “líquida”, como diria Mr. Baumam,  onde domina a lei do descartável e dos relacionamentos regidos por interesses mesquinhos?
Se o amor é descartável, imagine o impacto disso sobre essa coisa chamada “família”? A cultura do descartável descarta tudo, inclusive as pessoas, pois para ela nada é durável, nem mesmo as relações humanas. Assim, ao se constituir uma família a ideia é: se der certo, amém, se não der, amém também! A vida segue. As pessoas se conectam e desconectam como o piscar dos olhos!
Me diga: por que manter esse fio amarrado a mim? Apenas para satisfazer pessoas que, em sua maioria, terão preenchido o espaço que ocupo em suas vidas, antes mesmo que chegue a próxima estação?  Se me amam tanto, por que insistem em me manter sofrendo? Sou realmente egoísta? Quem é egoísta afinal?
Se você pensou: como pode ter tanta certeza que seu formato é peculiar? Que jamais voltará a se conectar com o mundo? A resposta é simples: não tenho!
O grande problema é justamente a incerteza. É claro que a vida pode me reservar mil surpresas, mas, a espera e insegurança me causam dor imensurável! Entenda que minha escolha deriva de minha incapacidade de sobreviver em um ambiente oscilante e irresoluto.  Não se relaciona com sua não disposição em se conectar a mim. Não saber o que virá me faz sentir dor e, apenas eu, sei o quanto isso me custa respirar.
A morte tem sua beleza. Existe felicidade no morrer porque nela se extingue toda dor e sofrimento. Junto com ela vai todo o sofrer e angústia existencial. Serei livre!
Não gosto de despedidas. Acho-as tristes por demais. Desnecessárias. Servem apenas para deixar o coração ainda mais aflito com o que há de vir. Já dizia Alexandre Dumas “em amor, não há último adeus, senão aquele que se não diz”. Certinho o Dumas! Talvez seja por isso que as pessoas insistam tanto em se despedir. Talvez o único objetivo seja o de transformá-lo em um “até logo”.
Não há porque me despedir. Não será um até logo. Não pretendo deixar a ferida mais profunda. Mas, não se preocupe, não sentirei dor alguma. Não se preocupe com a chuva que me molha nesse momento, apenas me abrace, pela última vez. Pequenas gotas de chuvas não podem me machucar agora. A chuva fará as flores crescerem.


Breve justificativa.


Não acredito que desistir da vida seja a melhor saída, pelo contrário. Acredito apenas que antes de instituir a inquisição e apedrejamento daqueles que optam por tal caminho, deva-se entender que cada ser humano é único e individual. O tamanho de sua dor não pode ser mensurada, apenas compreendida. Para compreendermos essa dor é necessário que nos coloquemos em seu lugar.
Não critico nenhuma crença/religião, apenas não consigo lançar pedras em quem tenha optado por tal caminho. Prefiro tentar entender sua dor.

A morte é uma experiência única, assim, ela jamais devolverá aquelas pessoas que perdemos. Se não pode tê-los de volta, respeite sua decisão. Em outras palavras, não seja egoísta!