De vô para neto.
Otaviano sentou-se ao meu lado espiando o que fazia...
Era um garoto curioso, tal como o pai, e igualmente tímido.
Ficou a me fitar com seus olhos grandes e claros, pintados com um verde sujo de
amarelo tais como os meus, escondidos entre a pele flácida que o tempo me trouxe.
Porém suas mãos não escondiam a vontade de tocar no objeto que estava a
manusear, os seus dedos se mexiam em movimentos sutis e sutilmente deixando a
sua vontade transparecer. Em algo lembrava a mim, mas seus cabelos ruivos lhe
deram o que de mais maravilhoso havia nesse mundo, tal como uma pintura pintada
abstratamente era essa quebra cabeça de informações que compõe um indivíduo e o
lastra as suas origens, e diz ao mundo filho de quem o é, seus olhos e cabelos
o definiam bem.
- O que você está fazendo vovô? – Perguntou-me curiosamente. Deixei-lhe pensando e não o respondi.
Daí então engoliu um pouco de sua saliva e pôs sua cabeça
frente ao objeto, ocultando-o de minhas vistas.
- Filha, vai ver teu irmão e não o deixe incomodar seu avô –
Disse a mãe.
Até poderia lhe talhar alguma explicação, mas não seria
suficiente compreensível e mais tarde teria de lhe fazer novamente, não daria nos seus dez anos de idade a importância devida a uma câmera
fotográfica como aquela que estava em minhas mãos.
“-Venha Otaviano, vai
brincar com teus primos e não incomode mais o vovô”. Disse sua irmã, minha neta Bruna.
Como era bela! E eu que achava que nunca colocaria os
olhos em algo tão belo como minha filha, me surpreendo todos os natais com o seu
crescimento e beleza. Os mesmos cabelos ruivos da mãe, e os olhos meus, mas
diferentes dos de Otaviano, eram moldados na rígida delicadeza da outra metade
do seu quebra-cabeça, encaixado perfeitamente, montando aquela figura que
parecia tão decidida sobre si. Veio a ter comigo.
- Tome, já não se faz uso aqui em casa. – Então Bruna me olhou com
um olhar surpreendido.
- Mas vovô, é tão importante essa máquina pra ti, porque se
desfazer dela, suponho que não a tenha com tanto apego.
De fato era uma máquina muito importante e realmente minha
neta se cansaria logo após que sua empolgação cessasse. Era uma velha
máquina de fotografias Polaroid que comprei ainda na adolescência, nada
comparado ao que ela trazia no bolso, mas infinitamente mais material.
- Seu velho avô ainda é de tempos onde se ouvia discos em
vinis e fotografias eram tiradas por máquinas como esta minha filha, sei que o
instantâneo não mais é ver a imagem assim que se aperta este botão, mas que
todos a vejam, mas mesmo assim peço que a experimente.
Ela pareceu assentir, visto que percebeu parecer indelicado de sua parte não o fazer.
Por mais que relutasse era realmente difícil me desfazer de um objeto se
não tivesse a certeza que minhas palavras eram apenas uma desculpa para que ela
aceitasse meu presente, pois sempre que vinha me visitar notava sua curiosidade
e em algumas ocasiões até pediu que a usasse. Se havia um pouco de sinceridade neste meu
presente, era que já não mais fazia uso a mim, e isso me acalmava.
Levantei-me enquanto ela contemplava seu presente e me servi um pouco mais do peru e das uvas passas.
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De pai para filho
Todos os anos religiosamente voltávamos ao Rio Grande do Sul
para passar o natal com meu velho pai. O clima serrano me agradava e as
crianças sentiam-se felizes em estar com seus primos.
Quando chegamos de volta a nossa casa, pude perceber a
alegria de Bruna com o presente que ganhara do avô. Creio que o gosto por
retratar o mundo tenha sido herdado de meu pai, passando por mim sem nenhum
vestígio. Fotografamos durante todo o fim daquelas férias.
Ainda na adolescência comprara a máquina como me
contara um dia, e tal como Bruna fotografava tudo o que lhe marcasse de alguma
forma, com certo critério, ele pois o salário era escasso e filmes naquela
época custavam um bom valor, já ela por sua vez, pela dificuldade de encontrá-los.
Meu velho pai trabalhou bastante até conquistá-la. Aos doze
anos labutava na mercearia do bairro só para ter aquele objeto, o que não me
admira, os tempos eram outros, as crianças eram crianças por menor tempo e não que meus avós lhe dessem de menos, a questão é que ele queria mais.
O fato é que com o passar dos anos, o gosto por aquilo virou
vício e fotografar era parte de sua vida tal como conversar com os amigos, ir
ao cinema e bailes, ou algo de mesma natureza, tanto que mais tarde foi ter com o dono
do primeiro comércio especializado em fotografias na cidade, era então contratado como revelador de filmes.
Por mais inusitadas fossem as histórias que me contara, era
uma profissão divertida. As pessoas, na medida em que as máquinas foram ficando
mais acessíveis, traziam-na mais e mais dentro de suas intimidades, e se viam
constrangidas somente ali, na hora em que teriam de revelar, antes a um
desconhecido.
O meu velho pai acabou por conhecer um pouco da vida privada
de cada habitante daquela cidade que possuísse uma câmera fotográfica. Sabia de um pouco o que cada um guardava, mas sempre ignorava ao tratar delas. A fotografia
lhe rendeu tanto, que aos finais de semana, já não se dispunha a si, passando a
frequentar parques e eventos da cidade, fotografando quem lhe pedisse uma foto.
Todos passaram a lhe conhecer e creio que fora o primeiro fotografo
profissional da cidade.
Numa manhã de segunda-feira, foi que algumas fotos lhe surpreenderam. Naquela época, por vezes ás pessoas fotografavam e se
esqueciam dos filmes até que um novo evento surgisse, então, levavam seus
filmes usados para que lhe fossem revelados e adquiriam outros.
Meu pai começou a revelar um bocado de fotos em que meu
avós apareciam. De fato ele ficou muito surpreso com aquilo, ora pois, pensou consigo “como
esse mundo é pequeno”. Mas as fotos mesmo naquelas circunstâncias deviam datar
ao menos alguns oito anos pois, não se lembrava de ver seus pais saírem para
bailes tais como as fotos revelavam, ou então, era muito novo a época, o que se justificava pela jovialidade de seus pais nas imagens. Ficou
admirando cada foto nova que punha no varal, a beleza e a delicadeza de sua
mãe, o vigor e a estima de seu pai enchiam-lhe os olhos.
Sua curiosidade aguçou, tinha de conhecer o dono
daquele filme e pediu para que lhe dissessem que viesse pegar as fotos de suas próprias mãos.
Talvez fosse um velho amigo de sua família que voltara a cidade, ou algum
parente que não conhecia, mas certamente era um daqueles presente nas fotografias.
Ás dezesseis horas daquele dia, tal como combinado, adentrou ao
estabelecimento um homem, com os mesmos olhos verdes que os seus, um caminhar
cansado e assustado, mas não o reconheceu. Pediu das fotos, perguntou-se lhe tivessem dado salvação após tantos anos guardadas, meu pai o respondeu assertivamente e as
lhe entregou num pacote, então perguntou quem era aquelas pessoas, mas o homem não quis lhe
responder, pagou e lhe deu de costas.
Mais tarde, já em casa, jogou cópias daquelas fotografias
sobre a mesa, pois a princípio queria dar aos pais como presente, mas a sua curiosidade falava mais alto agora. De fato eram todos eles nas imagens, durante um baile de formatura, seus
pais e seus tios com alguns outros amigos. Perguntou então porque se aquele senhor era seu tio lhe dera então as costas naquela tarde, o que
havia acontecido afinal?
Sua tia então respondeu: “É seu pai meu querido, e sua mãe
morreu seis meses depois, no parto”.
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Bruna não se conteve ao fim da história... escapou-lhe do seus verdes olhos uma lágrima.
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Bruna não se conteve ao fim da história... escapou-lhe do seus verdes olhos uma lágrima.