sábado, 22 de setembro de 2012

O Caso - Henrique Donancio


Parecia um dos casos insolúveis de seriados norte americano, mas era real. Eu e minha equipe há seis meses estávamos exclusivamente dedicados ao caso sem ainda uma pista concreta que nos guiasse a uma resolução, quando então parecíamos próximos de algo, isso se tornava mais longínquo do que de fato era, andava impaciente. A última vítima fora o rico Otávio Medeiros, dono da maior rede farmacêutica da região e como pista apenas um escândalo em 2003 quando então teria sido indiciado por contrabandear e adulterar antidepressivos, anticoncepcionais e remédios para o controle cardíaco. Sem justificativas, duas mulheres o processaram por engravidar quando tomavam do remédio, o problema é que a prova já havia sido consumida, a população ficara desconfiada durante alguns meses, mas brasileiro tem memória curta e atualmente os seus negócios fluíam normalmente. Quando foi encontrado Otávio tinha marcas em suas costas do que parecia ter sido talhado por um salto agulha, estava sem os sapatos e meias e apenas a calça e a peça íntima o vestiam, parecia não haver indícios de qualquer espécie de ato sexual, pedi então que Natasha investigasse coletando amostras de qualquer coisa que houvesse tocado seu órgão, quem sabe vestígios de saliva, pois do contrário tratar-se-ia de mais um crime perfeito do nosso procurado, o sexto.
Uma coisa me deixava confiante em relação ao caso, pois todas as vítimas de certa forma haviam causado algum tipo de dano à sociedade e eram bem sucedidos. Outra coisa me intrigava... Não acreditava por mais que tudo me levasse à constatação de que era apenas um assassino agindo, apesar da brutalidade sempre deixar evidente uma marca pessoal dele a forma como se davam eram opostas a antecessora. Como o delegado da nossa jurisdição que teve o couro cabeludo e crânio cortado em círculo deixando a massa cerebral exposta ou o caso de Otávio, não tinha uma linha a ser seguida, algo que marca um serial killer, uma assinatura deixada nos seus crimes.
- Com licença.
-Entre Natahsa, me traz alguma novidade?
-Analisamos o corpo e o resultado nos indica que a vítima como imaginávamos não chegou a ter relações sexuais antes de sua morte.
-Tem alguma suspeita?
-Nenhuma senhor.
-Obrigado, é só por enquanto.
Maldito seja, até quando e quem estaria a ter tanta necessidade por sangue. Seria uma vingança? Um acerto de contas doentio? Quando ele iria parar? Maldito seja!
-Com licença senhor, o prefeito está na linha.
-Pois não senhor.
-Espero Charles que dessa vez me traga uma solução, já basta seu cretino, é ano de eleições ou será que não percebes? Todo meu eleitorado está em prantos, a segurança pública está em risco e o seu maldito departamento está de braços cruzados...
Desligo então, já não mais suporto esse corrupto me cobrando respostas, ainda mais quando possui certa razão.
-Charles, então, muito ocupado?
-Por favor, entre Natasha, são só preocupações sobre esse caso.
-É, ando preocupada também, ainda mais quando se trata de uma sexta-feira treze como esta.
Dou-lhe uma risada. - Então acha que nosso assassino é um mascarado?
-Quando se trata de psicopatia tudo é possível não?
-Sim, mas o que tens a mão?
-Apenas papéis e ingressos para um cinema, que tal?
Eu não deveria, ainda mais quando minha situação com Paula ainda estava pendente. Estava me separando, deixando minha casa e meus filhos. Se não fosse por todos os problemas talvez tivesse recusado o convite.
Parece bom o filme, mas receio que nem nos seus momentos de folga você esqueça que é uma militar. Disse a Natasha já na porta do cinema.
-Na verdade sim, mas é que este tipo de arte me atrai mais que outras, serve-me de inspiração.
-É tudo que necessitamos nesse momento Natasha, este último caso já requer inspiração, uma vez que já não encontro razão.
-É melhor deixar isto cair por hoje, vamos nos divertir e relaxar um pouco.
Natasha era inteligente e uma boa companhia. Calma e com uma voz serena além de muito atraente. Confesso que por uma noite me fez esquecer-se de todos os problemas e isso teria aberto um pouco mais a visão sobre tudo que estava a acontecer. Conversamos bastante logo após o cinema e pude notar que tínhamos alguns suspeitos em comum numa conversa extraoficial. Não pude deixar-lhe de convidar para tomar um vinho em casa ao fim da noite.
Ao fim do expediente fui visitar meus filhos e tomar um pouco de conhecimento do principal suspeito da nossa constatação na noite interior. Era o padrasto dos meus filhos, o homem com quem Paula estava a morar.
Ao chegar notei que todos estavam na sala assistindo TV antes de tomarem seus rumos com a minha chegada. Emanuel era sobrinho da última vítima e também seu sócio nas redes farmacêuticas, estudara medicina. Quando que quase sem a intenção, olhei para a TV e me deparei com a cena em que Lecter retira o couro cabeludo de sua vítima e então prepara seu cérebro. Aquilo me deixou em choque... Teria sido ele que matara o policial, e talvez seu próprio tio, já que se tornaria sócio majoritário com sua morte.
-Esses filmes não são apropriados para as crianças Paula.
-Eu sei o que é apropriado para eles Charles, agora se não se importa gostaria que as levasse o mais rápido, suas visitas andam cada vez mais estressantes e Emanuel anda passando por momentos ruins agora com a morte de seu parente.
Sabia por quais momentos ele andava a passar, mas tentei disfarçar sendo um tanto educado. Disse-lhe adeus, mas não pude deixar de sentir que me andava a fitar com certa obsessão.
No dia seguinte, quando deixei as crianças na escola tomei o rumo da casa de Natasha, tinha de compartilhar minhas descobertas...
-Oi Charles, que surpresa, não estava a te esperar.
-Atrapalho?
-Não entre.
Natasha também era um tanto recatada, cheguei por um instante a achar que não queria minha presença. Foi de certo isso quando nos deitamos e vi algumas marcas no seu corpo, ela teria alguém e eu só servira como distração naquela noite. Ao fim contei-lhe tudo que achava do nosso suspeito e ela pareceu confiante nas minhas descobertas. Cabia a nós agora colher algumas evidências e terminar logo com tudo isso. Trataria de ficar com meus filhos enquanto tudo se resolvia e pedir que alguns de nossos homens rodeassem minha antiga casa a fim de cuidar para que não oferecessemos risco a Paula.
Quando cheguei ao escritório mais uma vítima havia sido achada, e por incrível que pareça a morte teria sido talhada com uma serra elétrica, era o fim da minha paciência e de todos os governantes, agora todos queria a minha cabeça e se não mais pude do que decretar a prisão preventiva de Emanuel enquanto buscava provas.
Fui até a sala de Natasha para lhe pedir que procurasse amostras de DNA nas roupas do nosso suspeito...
“Que bom que temos esse assassino preso”, disse quando noticiei a prisão.
Nos dias seguintes mais vítimas e Emanuel preso. Além do seu álibi, a Paula, na sexta-feira treze. Por mais que guardasse alguma magoa de si, ainda confiava na sua índole. Além disso tinha a vítima com marcas do que parecia ter sido causado por um salto de sapato feminino, as coisas não se encaixavam.
Voltei à sala de Natasha para saber se já me trazia alguma resposta, a situação já era insustentável e minha cabeça já estava por rolar...
Dei-lhe uma carona no fim do expediente, dormimos juntos mais uma vez, conversamos... Nosso único suspeito estava sobre nossas asas quando mais crimes aconteceram e não havia provas nenhuma contra ele. Paula ameaçou entrar na justiça contra mim, talvez por achar que usei minhas responsabilidades para minar sua relação, e de certa forma ela tinha suas razões.
Acordei no meio da noite, andei pela casa de Natasha como um sonâmbulo. Era de certo minha demissão no dia seguinte e isso me tirava o sono. Bisbilhotei seus livros, seus filmes, tudo que me distraísse e fizesse as horas passarem, assim o fiz...
-O que está fazendo acordado?
- Notei que gosta de filmes como aquele que assistimos, os “Homens que não amavam as mulheres”, não era esse?
-Sim, mas não devia mexer nas minhas coisas sem minha permissão. Notei que ela se alterara bastante.
-Desculpe, não foi minha intenção lhe incomodar.
-Saía agora.
Por qual motivo Natasha se incomodara tanto foi o pensamento que me tomou na volta para casa. Parecia ter algum ciúme possessivo com todos os seus pertences, mas não dei tanta importância, cada um com suas estranhezas.
-Senhor, o relatório que me pediu sobre as últimas vítimas...
-Sim, obrigado.
Quando terminei de ler fui até a sala de Natasha.
-Notou que todas as vítimas são judias, como no filme que assistimos?
-Não me dei conta disso.
-Sem nenhuma prova todo esse tempo...
Então ficou em silêncio e quieta, apenas sorriu. Saquei a arma.
Ponha as mãos sobre a mesa, você está presa Natasha.