quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Viagem Sem Volta - Maele Finger

Terça-feira pós feriado. Caos de inúmeros gêneros, idades e tons de voz. Alguns pareciam inconformados e abraçavam outros como se cada célula de seus corpos clamasse com urgência pelo calor alheio. Aproveitando toda a superfície de contato corporal possível, procuravam sugar o máximo de algum tipo de combustível raro e essencial. Mutualismo em dose única. O tipo de coisa que vem em pacotes de brinde grampeados a passagens rodoviárias.
Me oriento pelos retângulos verdes luminosos na altura da minha segunda testa imaginária. Um padrão de localização que te confundiria aqui ou na Cordilheira dos Andes, pode acreditar. Dezoito, corredor, e pelo visto a única poltrona vazia. Na dezessete babava um cara de camiseta vermelha, com óculos escuros e uma bengala. Nada contra caras de camiseta vermelha, mas em tragadas de minha memória não me recordo de ter sentado ao lado de cara nenhum com uma camiseta vermelha. É como se você jogasse um par de dados e eles parassem em 5 e 2. Nunca vi pararem em 5 e 2, e hoje os meus dados eram vermelhos e espelhados.
Minhas duas mochilas, abarrotadas, não couberam nos suportes de bagagem do teto. Uma acomodei no colo, outra atrás das canelas. A próxima etapa está no limite do vidro entre o freezer e o inferno, do lado de lá brota um sorriso e um tchau avulso do meu velho pai com seus cabelos negros que mais parecem acenar para mim também. Essa marca de tinta vagabunda deve ser a mesma que usam os alpinistas. Eu enxergaria meu pai lá embaixo, do topo do Everest, lá embaixo acenando pra mim. Aliás, acho que nunca mesmo já vi um alpinista na vida.
O ônibus vai partindo, devolvo o aceno com vontade numa confusão de orgulho e saudade prematura, coisa que não vejo repetir-se naquela cena. Todo aquele santo combustível de antes me pareceu nada mais do que bosta invisível. Um bando de hipócritas no Alaska bons demais para deixarem ser vistos dando tchauzinho feito criança. Nossa troca de acenos se mantém até que vem uma parede, e imponente cobre meu pai. Paredes de estação rodoviária servem para isso, são pensadas para que você e seu familiar não tenham de fitar olhos e manter mãos balançando eternamente. Desisto da janela, recosto e já sei que estou em quarta dimensão.
É cedo demais para tirar o bolinho de carne da mochila, e tarde demais para ir ao banheiro. Vejo as pessoas no reflexo dos televisores desligados, que aliás, só servem para isso mesmo, quase todos estão com fones nos ouvidos. Cada um em seu mundo, numa segunda camada da quarta dimensão. Esqueço dos fones e lembro da primeira camada, a camada em que fixam-se aqueles muros quadrados invisíveis, que tecem linhas para determinar o limite de cada um. Cada quadrado de muro transparente envolve um passageiro e tem um sensor de cotovelo que emite um sinal sonoro ao invasor. Meu sensor deve estar com defeito, acho que sempre esteve. Graças à seleção natural os nossos cotovelos adaptaram-se ao material de que são feitos os muros e por este motivo podem transpor-lhes sem problemas.
Araucárias e pinus desfilam pelas janelas e a única trilha sonora possível de combinação é Mendelssohn. Meus dedos dos pés entram em sincronia com um trecho decorado da minha composição predileta, não me pergunte o nome. O raio de sol da tarde, na minha cara e no reflexo da camiseta vermelha alheia, marca os tempos brilhando irritante entre o batalhão de pinheiros jovens. Um cotovelo estranho à esquerda é o que me separa de casa.
Olhava para as janelas da direita, quando me dei conta de que todos os passageiros do corredor tinham as cabeças voltadas às janelas opostas e que os passageiros das janelas não se atreviam a olhar em outra direção que não fosse a de sua própria janela. Parecíamos bonequinhos, bonequinhos com dor no pescoço. Todos enfileirados nos seus mundos de fones e baba em poltronas com babadas secas de outros quinhentos.
Por dois minutos me senti a pessoa mais solitária do universo e com arrependimento de proporções iguais. Um impulso estranho seguido de estrondos e da parada brusca do ônibus, projetou os passageiros para fora do coma, e numa fração de segundo já estavam mais arrependidos do que eu.
- Todo mundo parado que a gente não vai machucá ninguém!
Duas crianças de aproximadamente onze anos, loiros e gêmeos. Calças iguais com listras verticais coloridas. Meias amarelas nas mãos, uma arma e uma faca para cada um. Brinquedos de heróis. Não fosse pelo barulho de tiro e o sangue do motorista escorrendo pela porta aberta do corredor, todos explodiriam em gargalhadas ou reclamações de atraso.
- A gente quer tudo aqui! Cala boca e coloca tudo dentro!
- Tudo de valor! e se a gente ouvir grito ou choro, em dois segundo a gente apaga todo mundo!
- Passam tudo agora!
Uma fronha com cheirinho de tutti-frutti na mão que segurava a faca, a cada passageiro ficava mais cheia de dinheiro, anéis e outras coisas caras. Não consegui ver tudo o que colocavam, só fiquei sentada ali esperando a minha vez. O arrependimento que tomara conta de mim há minutos atrás, dava lugar à sensação de andar de bicicleta sem as mãos. Só fiquei ali e esperei a minha vez. Meus brincos eram duas bolinhas de plástico, eu tinha doze reais e quinze centavos, minhas roupas nas mochilas, uns papeis e outras coisas pequenas no bolsinho interno da jaqueta.
Seria morta por crianças, num ônibus, com fronhas cheirosas e em bicicleta sem as mãos. Gostei disso. Sempre tive medo de morrer afogada ou coisa assim, com uma cabeçada numa quina de mesa ou de escada, intoxicada com monóxido de carbono ou coisa assim. Só se morre uma vez, então fiquei feliz por isso. Uma morte tão incrível e equivalente a qualquer coisa bem divertida, um negócio único nessa porcaria de mundo e eu juro que merecia o primeiro lugar no próximo Darwin Awards. Dali a pouco eu já seria toda aquela merda de mais uma estrela no céu e blábláblá.
A tensão dos passageiros logo começou a me irritar, mas era só inspirar sem pressa e me sentia novamente na bicicleta andando sem as mãos. Minha vez. Tranquila, coloquei na fronha o que tinha de mais valioso, dois pedaços de papel dobrados mil e quinhentas vezes e uma três por quatro em Polaroid do meu pai quando tinha mais cabelo. Perderam-se no meio dos anéis de ouro e das notas de cinqüenta. Os olhos do pequeno delinqüente seguiram atentos meus amuletos sendo retiradas do bolsinho da jaqueta até caírem quietinhos dentro da fronha. Encontrou um dos papéis... “NEOQUEAV bonequinha”.
Degolou meu companheiro de poltrona, visitou meu pensamento na idéia de combinar a baba dele com a cor da camiseta. Me abriu um sorriso discreto e dos seus olhos saíram um brilho que aumentava cada vez mais. A luz invadiu o ônibus, o menino me olhou fixo e cutucou meu ombro com a arma. Paralisia em gotas corria quente nas minhas veias:
- Com licença, preciso mijar... dá licença, quero mijar! – cutucava o cara do lado, com a sua bengala. Era cego.
Um abrir de olhos e todo aquele misto de realização esvaiu-se na funcionalidade da minha retina. O cheiro de banheiro havia me amortecido e por pouco não me afogo na própria baba. Dou licença. Vejo-me novamente na mediocridade de uma vida enfadonha, num ônibus enfadonho, fazendo uma viagem enfadonha. Como nas minhas visitas a todo lugar, a solidão se tornara diretamente proporcional ao número de pessoas que dividiam o ambiente.
Checo no bolsinho as minhas preciosidades, tudo intacto.
No outro bilhete, uma dose cavalar de floral em letras. Como que num gole modesto e fatal, não sabia mais para onde estava indo e nem quando iria voltar.
Meu anjo, o pai sente muito a tua falta. Ninguém entende, dizem que estou louco, que desde quando aconteceu ainda não consegui aceitar e que já devia ter parado com isso. Eles não entendem, mas não importa, o pai vai sempre esperar aqui... cuidando, até voltar a bonequinha do pai.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Eu Gênio Esquizofrênico - Henrique Donancio

- Ah! Essas mulheres... preste atenção no que estou a lhe segredar – encostou a boca ao pé do ouvido de Eugênio e falou em tom baixo.
- Tem certeza?!
- Absoluta meu caro amigo, não há falhas!
Assim monologava Eugênio, durante os últimos três meses, quando então começara a amizade com Francesco. O primeiro era um ser exótico, cabelos loiros ofuscados, penteados como uma terra pronta para o plantio, olhos grandes e curiosos, lábios singelos, ressecados pelo longo tempo que permaneciam sem o menor movimento, de porte magro e alto que se movimentava de maneira desorganizada; os braços pareciam não seguir o compasso que as pernas ditavam. O segundo um italiano naturalizado, forte, queixo largo, cabelos lisos e negros que reluziam um tipo de brilho azul, a darem no pescoço espesso, olhos verdes que pareciam tocar seu sobrolho, além de lábios carnudos cobertos por uma vermelhidão viva. Apesar da grande diferença entre os dois, se davam bem. Eugênio desde que foi abordado pelo italiano no caminho de volta á sua casa após a aula, começara a sofrer mudanças notáveis. Abdicara das roupas estampadas de xadrez, das calças largas beges que usava, passando a vestir-se com camisas sociais de bom feitio, dobradas a meio braço; trocara o tecido que envolvia as pernas por um jeans acinzentado, também tomara gosto em apreciar bons sapatos, tendo sempre o cuidado de deixá-los brilhando.
Já não se ocupava com os estudos como outrora fazia. Seguindo os conselhos de Francesco estava a se socializar cada dia mais, tomava seu tempo em alguns minutos numa conversa pelo telefone, em outras talhava alguns poemas, trocara os livros técnicos pelo romantismo europeu, tinha cuidado ao se vestir, cuidado que aumentava quando se preparava para festas.
Francesco aconselhou-lhe a se entregar aos vícios, sentir o prazer da bebida, do trago de um bom cigarro...
- Vê, porte-se como um desregrado, apático a tudo que lhe cerca, não olhe para aquilo que deseja, a não ser que seja um olhar tomado de cansaço, baixo e corriqueiro... olhe para os pés, aguçará a sua curiosidade como também a delas...
Tudo isso começara quando desabafara para Francesco o desejo de consumir um grande amor que o devorava. Antonieta era a típica menina “mais popular da faculdade”. Sua personalidade cheia de formas juntava a obra com uma beleza estúpida. Tinha cabelos loiros, grandes quase a tocar em suas nádegas perfeitamente simétricas. O olhar sensual, de grandes olhos largos e poucos espessos tomados de um azul esverdeado contrastavam com lábios finos, pintados de um vermelho promíscuo. Eugênio a primeira vista tomou-se de um completo repúdio, seria apenas mais uma mulher bonita, mais uma que nunca segurara um bom livro em suas mãos, que nunca apreciara qualquer tipo de arte, que parasitava o dinheiro dos pais. Eugênio se enganara! Antônieta Borges era extremamente inteligente, conhecia bons autores de qualquer nacionalidade e época, cursava Direito, e sua malícia era algo que se encaixaria perfeitamente a sua futura profissão. Tinha gosto pelos prazeres de uma vida banal, fumava Blacks,e bebia Red Label, a única exceção é que nenhum universitário havia lhe tocado até então, e Eugênio desafiara-se a isto.
Era apenas um nerd do curso de computação, quando conheceu Francesco...
Hoje seria o dia perfeito segredava o amigo, que compartilhava suas experiências com tipos como esse.
- Essas mulheres gostam de quem lhes gosta pouco, vá por mim, já lhe falhei alguma vez, veja! Agora, graças a mim, têm amigos, garotas na palma de sua mão, e até dispensa-as para atingir sua amada! Lembre-se do seu amigo quando estiver por cima dela num dos quartos daquela festa, lembre-se de mim!
A festa estava animada quando Eugênio chegou. Completava a última peça do seu quebra-cabeça visual, deixara os óculos em casa, e parecia não ter penteado os cabelos.
- Ela está ali caro amigo, linda, gostosa como sempre, e o melhor... sozinha.
- Devo ir lá?
- Se quiser estragar tudo sim. Se acalme, vamos, não quer deixar tudo correr água abaixo, ou quer? Deixe-se notar, ela há de ver. Vamos agora, ela irá se servir com Uísque, então chegue mais perto lhe dê as costas e pegue a garrafa antes, sirva-se.
Quando Antônieta estava a dois passos da mesa...
-Pode me servir um pouco desse Uísque? Ainda tinha um ar desdenhoso em sua voz.
- Claro, pode pegar ess...
- Não! Não ofereça seu copo, lhe arrume outro, precisa estar com um em mãos.
- Certo, certo.
- Está tudo bem?!
- Sim estou, tome seu copo.
Quando ambos já bêbados se cansaram da conversa subiram até um quarto...
- Você tinha razão Francesco, essas mulheres são as melhores meu velho, você viu quando ela cavalgou sobre mim?! Quase não consegui me controlar, por um minuto deixei de pensar em algo que me distraísse.
- Eu vi caro amigo, eu vi, você quase terminou com a sua noite naquele instante, tem que se controlar, dispersar seu pensamentos, se não põe a perder todo o prazer de sua garota...
Antonieta voltava à sobriedade plena. Deitada com a cabeça posta em um travesseiro via a cena. Por todo o tempo do que parecia uma conversa esteve a prestar atenção em Eugênio, ali sozinho, sentado sobre a cama de costas para ela, falando para as paredes...

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Tragédia do elevador - Caio Machado

Para Brenda Stéfani

Da mesma maneira que ele entrou, iria sair. Notava-se certo descompromisso, mas também uma enorme tranqüilidade. Após exaustivas quatro horas de prova, aquele rapaz passou seu gabarito a limpo, entregou-o ao aplicador, destacou sua parte com o rascunho das respostas e se dirigiu até o elevador. Na porta do mesmo encontrava-se uma garota notavelmente angustiada. De certo ela não teria se saído muito bem. Muitas pessoas se sentem mal no dia do vestibular e acabam colocando tudo a perder. Afinal, você se prepara para essa prova o ano inteiro e pode se frustrar bastante por não ter o desempenho esperado. Além desse seu desequilíbrio, notava-se também que ela era uma garota bonita e mesmo não sendo de tamanho estardalhaço não tardou que causasse um grande interesse ao rapaz, que agora caminha para junto dela em direção ao elevador. Ela tinha cabelos longos e castanhos, mas era mesmo sua franja que dava todo um diferencial em seu penteado. Trajava uma camiseta azul marinho com um colete preto, um jeans clássico e um Nike Dunk. Só bastou uma olhada de relance para os tênis dela para que ele se decidisse.
- Irei te ver em qual dos cursos ano que vem? – disse ele, se aproximando dela sem medo.
Ela quase não sorriu e respondeu com certa timidez.
- Engenharia Civil... Mas não esteja tão certo quanto a isso... – ela agora começou a reparar nos cabelos encaracolados e desorganizados dele. De súbito um leve interesse começou a surgir da parte dela também. – Mas, e você? – forçando um sorriso – Quando é que te verei novamente? - disse ela novamente reparando na sua camisa xadrez, seu jeans skinny e um All Star branco totalmente surrado.
- Publicidade, e sim. Esteja certa disso...
Eles se entreolharam com certo interesse por alguns segundos, mas a porta do elevador tratou de se abrir para quebrar o clima no qual eles estariam agora imergindo. Antes que a porta se fechasse ele pegou na mão dela, que mesmo mostrando-se um pouco evasiva não o impediu de puxá-la para bem próximo de si partindo direto para um abraço. Foi ela quem beijou ele, que apenas se preocupou em apertar o botão do térreo. Aquele instante duraria apenas dez andares, e cada segundo de euforia recém-inaugurada por eles seria bastante precioso a partir de agora.
Se os dois ingressassem na UFMG como eles queriam, poderiam vivenciar, quem sabe, uma enorme paixão. Ele se chama Carlos Macedo, tem dezoito anos e aquela já era sua segunda tentativa na universidade. Mesmo sendo um tanto manipulador e persuasivo a ponto de se mostrar extremamente eloqüente, ele não conseguia apresentar essa mesma sorte com a disciplina e assiduidade em seus estudos. Ela se chama Bruna Noronha, tem dezessete anos e essa seria a primeira vez em que tentaria ingressar no ensino superior. Ao contrário de Carlos, e se revelando totalmente insegura e tímida, ela conseguia sim conciliar os estudos com a sua conturbada vida. O paradoxo amoroso consiste sempre em dizer que os opostos se atraem, e bem, essa era a sua grande chance.
Não tardaria a acontecer em um eventual romance dos dois, a adoção de diversos apelidos carinhosos e sempre no diminutivo vindos da parte de Carlos, que adorava tal tipo de gracejo e sempre ganhara a confiança e o carisma de todos ao seu redor, graças a suas brincadeiras e ao seu espírito cortejador. Na menor das hipóteses Bruna observaria que seus nomes seguem a ordem alfabética e que seus respectivos sobrenomes também. Isso se toda essa história se encaminhasse, e quem sabe não poderiam até mesmo dividir um apartamento em Belo Horizonte? Ela sempre sonhara morar na Savassi e livrar-se do irmão mais velho. Ele quem sabe, pudesse conquistar sua então cobiçada independência e também ir a algum show de uma banda francesa qualquer. Coisas que sempre passam pela cabeça de dois jovens que cresceram no interior de Minas Gerais e que agora se encontrariam a apenas um passo de tamanha realização.
Situado em um campus de uma universidade particular qualquer na Avenida Professor Alfredo Balena, o elevador daquele prédio descia rapidamente naquela tarde nublada de dezembro. Ao contrário de tudo que se entende sobre o amor e sobre todas as besteiras de que o tempo passa rápido quando se esta com quem se gosta, aquilo parecia sim estar durando por horas a fio. Sinestesicamente os dois se arrastando pela inércia do elevador, se equilibrando apenas com o fôlego perdido em seus beijos. A mão tímida dela agora já começava a percorrer e arranhar todo o corpo dele, que se arrepiava com aquele fetiche meio sadomasoquista de Bruna, que já não sabia mais o que fazia e se mostrava muito ofegante. O passeio se encerraria em apenas dois andares e o feitiço que os maravilhava iria todo pelos ares.
Ao chegarem no térreo, só sobrou tempo para recuperarem um pouco do fôlego e de trocaram seus e-mails anotando-os nas bordas dos gabaritos. Não aconteceu sequer uma casual apresentação entre os dois. Encontravam-se tão evidentemente anestesiados e arfantes com aquela paixão, que mal conseguiam raciocinar para tanto. Infelizmente, o irmão de Bruna já a esperava na porta do prédio e ela só teve tempo para um discreto beijo nos lábios dele. Ele ainda conseguiu tempo de segurar seus dedos trêmulos enquanto ela saia. O velho Marea de seu irmão o esperava em cima do meio fio. Seu irmão tinha o péssimo hábito de estacionar em cima da calçada quando estava com pressa ou algo relacionado. Ela entrou no carro acreditando piamente em ter encontrado o suposto amor de sua vida, e como quem acabasse de sair de um sonho ou conto de fadas, voltou para a realidade pacata e aconchegante de Belo Horizonte. Seu irmão estava quase na casa dos trinta anos e aparentava ter saído de alguma banda britânica do naipe de Franz Ferdinand. Era um rapaz mesquinho, de criação árdua, também em cidade do interior e na maioria das vezes se mostrava bastante autoritário. Ficou um pouco curioso sobre o rapaz que viu com sua irmã caçula na porta do prédio, mas como encontrava se aflito por estar próximo de pedir sua namorada em casamento, não se aturdiu com o ocorrido e seguiu para seu apartamento. Na porta do prédio, Carlos já se encontrava um tanto quanto indiferente ao ocorrido. Olhou para o pedacinho de papel com aquele e-mail anotado as pressas por Bruna e ao invés de guardá-lo no bolso o embolou e jogou na sarjeta, ali mesmo. Ele se considerava ator demais pra se prender em um romancezinho barato de elevador.
Revisão: Maele Finger